Não sei se devia ter como referência as músicas de um octogenário, mas tenho. E não são mais que pequenas pedras no lugar onde repousa a memória. E como o presente fica mais leve!...
«Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.»
Poema de Mário de Sá-Carneiro
Música de João Gil e interpretação dos Trovante.
Julio Pomar . Fernando Pessoa encontra D. Sebastião: num "caixão sobre um burro ajaezado à andaluza"
... abril, num diálogo de culturas (José Afonso, Chico Buarque e Carlos do Carmo, num filme da Carlos Saura, e Moustaki, como cidadão do mundo)...
Assim, de repente, uma notícia tão boa: Chico Buarque é Prémio Camões 2019.
Não sei se estás em festa, pá - é primavera e acredito que estarás doente com os bolsonaros deste mundo...
Mas eu estou contente! (nós estamos!... e enviamos um cheirinho de alecrim...)
Há uns "miúdos" que me fazem acreditar que a música portuguesa tem futuro..., mas também que sei eu de música? Nada, ou quase nada..., mas como é bom ouvir estas canções!
Mesmo que eu queira mudar
De mim não consigo fugir
Sou feito do vento que sopra devagar
E do tempo que sobrar
E do tempo que sobrar
Se o segredo for deixar partir
No sereno do areal
Antes que o apego se apegue ainda mais
Deixo ao tempo a solução
Deixo ao tempo a solução
E se encontrares por aí
Quem te faça ser melhor mulher
Aproveita para ser feliz
Aproveita para ser feliz
Aproveita para ser feliz
Aproveita
E se encontrares por aí
Quem te faça ser melhor mulher
Aproveita para ser feliz
Aproveita para ser feliz
Aproveita para ser feliz
Aproveita
Quando fico "em baixo" vou sempre procurar a um qualquer canto de mim mesmo coisas que me deixam bem. É um caminho secreto, tão secreto que não sei repeti-lo, mas que me leva a um montículo de minúsculos papéis, pedaços de folhas escritas rasgadas pelo tempo. Julgo que é a isto que se chama memória, mas não tenho a certeza - não encontro qualquer indício de outros rostos, de outros olhares, de outras mãos, mas apenas uma sensação de paz, bem ancorada neste presente.
Separo do montículo, com o cuidado que me merecem todas as coisas frágeis, um desses pedaços. Mesmo sabendo que foi uma escolha, deixo-me envolver num encontro fortuito.
Mudar de Vida - Carlos Paredes, Luísa Amaro e Paulo Curado.
Esta interpretação da canção de Joni Mitchell é deliciosa... O "miudo" tem talento!
«A case of you
Just before our love got lost you said
I am as constant as a northern star and I said,
Constantly in the darkness
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar
On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada
Oh Canada
With your face sketched on it twice
Oh you are in my blood like holy wine
You taste so bitter
And so sweet oh
I could drink a case of you darling and I would
Still be on my feet
Oh I would still be on my feet
Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time that you told me, you said
"Love is touching souls"
Surely you touched mine 'cause
Part of you pours out of me
In these lines from time to time
Oh you are in my blood like holy wine
You taste so bitter
And so sweet oh
I could drink a case of you darling
Still I'd be on my feet
I would still be on my feet
I met a woman
She had a mouth like yours, she knew your life
She knew your devils and your deeds and she said
"Go to him
stay with him if you can
But be prepared to bleed"
Oh but you are in my blood you're my holy wine
You're so bitter
bitter and so sweet oh
I could drink a case of you darling
Still I'd be on my feet
I would still be on my feet
hmm»
O tempo em que as canções bastam...
«Todos nós pagamos por tudo o que usamos
o sistema é antigo e não poupa ninguém
somos todos escravos do que precisamos
reduz as necessidades se queres passar bem
que a dependência é uma besta
que dá cabo do desejo
e a liberdade é uma maluca
que sabe quanto vale um beijo»
«Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
o que lá vai já deu o que tinha a dar
quem ganhou, ganhou e usou-se disso
quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
e enquanto alguns fazem figura
outros sucumbem à batota
chega aonde tu quiseres
mas goza bem a tua rota
Enquanto houver estrada para andar
a gente vai continuar
enquanto houver estrada para andar
enquanto houver ventos e mar
a gente não vai parar
enquanto houver ventos e mar
Todos nós pagamos por tudo o que usamos
o sistema é antigo e não poupa ninguém
somos todos escravos do que precisamos
reduz as necessidades se queres passar bem
que a dependência é uma besta
que dá cabo do desejo
e a liberdade é uma maluca
que sabe quanto vale um beijo
Enquanto houver estrada para andar
a gente vai continuar...»
Jorge Palma - A gente vai continuar
Para os que ainda não perceberam o Nobel de Dylon, aqui ficam 3 versões de uma das suas canções emblemáticas, com enquadramentos improváveis para um Nobel da literatura...
Make you feel my love «When the rainIs blowing in your face
... alguns minutos do jazz de C. Bley
«Rios que vão dar ao mar/ Deixem meus olhos secar/ Águas das fontes calai/ Ó ribeiras chorai/ Que eu não volto a cantar»
(Todos sabíamos que o Zeca já não estava bem... Ouvimos as primeiras canções e..., pronto, ele conseguiu! Mas estes versos, da Balada de Outono, soaram-me um pouco a despedida... Foi nessa noite que percebi que nem sempre se vai a um concerto para simplesmente ouvir música - a celebração da vida também pode acontecer em lugares improváveis, como o Coliseu...)
Mesmo para uma gravação pirata, é péssima, mas suficiente para sentir a força que só uma interpretação ao vivo pode revelar, da "velha" canção de Alain Oulman e Ary dos Santos. Vale a pena ouver esta versão de Alfama na voz inspirada de Carminho.
«Avec le temps...
Avec le temps va tout s'en va
On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le coeur quand ça bat plus s'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin faut laisser faire et c'est très bien»
Há mais de 30 anos (em 1982??, no Coliseu!...).
Lembro-me de alguém de cabelo branco em cima do palco, com um enorme vozeirão a protestar cantando... Aqui fica o vídeo Avec les temps, do album Amour Anarchie e a quase certeza de que "conheci" alguns poetas franceses (Rimbaud, Aragon,...) a partir das canções de Léo Ferré.
A letra da canção, em português, é mais ou menos assim:
«Com o tempo
Com o tempo tudo parte
Esquecemos a cara e esquecemos a voz
Quando o coração já não bate já não vale a pena ir
Procurar mais longe é preciso deixar e é muito bom
Com o tempo
Com o tempo tudo parte
O outro que adorávamos que procurávamos à chuva
O outro que adivinhávamos na sombra de um olhar
Entre as palavras entre as linhas e no cansaço
De um sermão maquilhado que vai fazer a sua noite
Com o tempo tudo desvanece
Com o tempo
Com o tempo tudo parte
Mesmo as melhores recordações tens uma destas caras
No centro comercial confusão no limiar da morte
Sábado à noite quando a ternura se vai embora sozinha
Com o tempo
Com o tempo tudo parte
O outro em que acreditávamos por uma constipação por um nada
O outro a quem dávamos o vento e jóias
Por quem teríamos vendido a alma para alguns tostões
À frente de quem rastejávamos como rastejam os cães
Com o tempo tudo se resolve
Com o tempo
Com o tempo tudo parte
Esquecemos as paixões e esquecemos as vozes
Que nos diziam muito baixo as palavras das pobres pessoas
Não voltes muito tarde sobretudo não apanhes frio
Com o tempo
Com o tempo tudo parte
E sentimo-nos brancos com um cavalo cansado
E sentimo-nos gelados numa cama de ocasião
E sentimo-nos sós talvez mas tranquilos
E sentimo-nos roubados dos anos perdidos
Então verdadeiramente
Com o tempo já não amamos»
«Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora-a-hora e durante a vida inteira
Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direcção da lua
Olha a sombra que tens colada aos pés
Estou cansado, aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho p'ra escrever
Tens que ser tu, com o teu próprio punho
E era isto que eu te queria dizer
Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora que o coração não espera
À procura da mais velha metade»
Letra: João Monge; Música: João Gil.
Há neste Blog, de Ana Cássia Rebelo, que lamento só recentemente ter descoberto, qualquer coisa de inquietante que ainda não consegui descodificar. A escrita (e as escolhas que ela encerra ou insinua...) é apaziguadora em alguns textos, de completa rebeldia noutros e de um terno desconforto em quase todos - não há conversa lamecha nem adjectivos inúteis, mas apenas uma enorme fome de vida... Ou não?
Aqui ficam quatro exemplos, com viva recomendação de leitura de todo o Blog: