(Apetece-me recomendar este livro!)
«[…]
Na sexta-feira a aldeia encheu-se de gente, caras estranhas, amigos, parentes com a família toda, garotos lambuzados a chorar da caminhada. O forno não parava e as mulheres saíam cobrindo os tabuleiros, lá dentro tinham-se invejado, medido os doces, espiado quantos ovos a outra punha, as comadres a entenderem-se com piscadelas, cheias de raiva, a acusar.
Na rua os ciganos largaram um burro inteiro e o animal, doido de cio, não sabia escolher, a mula do Bigodes apanhou-o em cheio na barriga, os rapazes em roda para que não escapasse, contando os coices, a atiçar a mula que de repente se voltou contra eles, disparada para os olivais, o burro atrás, as galinhas a cacarejar espavoridas com a cavalaria, as mulheres à janela e o Raposo encostado à bengala, a gozar, a moer entre os dentes.
- Tem vergonha, porcalhão! – disse-lhe a mulher, empurrando-o, e o Marques, parado à entrada da loja, ouviu e desatou a rir.
O veterinário mandara os carimbos pelo criado. O regedor que veja se os animais estão sãos. Diz-lhe que não tenho tempo. E o rapaz, julgando que fazia bem, pegou nos que encontrara sobre a escrivaninha, já que era para a festa levo os maiores! mas o regedor experimentou primeiro sobre papel, desconfiado da tinta que era vermelha. – Aqui há engano!
Havia. Mataram os porcos diante do lagar, dez, uns atrás dos outros, um gritar dos diabos, ninguém tinha pensado que era preciso chamuscá-los e os foguetes estavam guardados nas pias do lagar, bastava uma faúlha…
Levaram-nos para as eiras, os cães atrás, o rastro de sangue logo negro de moscas. Os ciganos tinham pedido as tripas e sentaram-se no muro à espera, tão mortiços que as galinhas lhe vinham debicar os pés, mas também era o último grão, o pescoço quebrava com um barulho de noz e os casacos abafavam tudo.
[…]»
J. Rentes de Carvalho in O Rebate. Quetzal, 2ª ed., pp 131.