Domingo, 27 de Janeiro de 2019

... biodiversidade

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(Gondufo, Serra do Açor)

«[…] Uma perturbação ecológica é uma mudança temporária nas condições ambientais (incêndio, cheia, seca, invasão de pragas...) que muda profundamente a estrutura de uma comunidade ou de um ecossistema e a disponibilidade de recursos, incluindo o substrato ou o ambiente físico (Meffe e Carroll 1997). Muitas plantas e animais beneficiam das condições criadas por uma perturbação, sendo que algumas espécies, com elevada capacidade de dispersão e ocupação (colonizadoras por vocação) dependem da existência de perturbações. Outras espécies, como plantas intolerantes face à sombra, dependem também da existência de perturbações periódicas, que bloqueiem a sucessão para cobertos arbóreos mais densos.

Na ausência de perturbações, outras espécies – aquelas com maior capacidade competitiva – vão eliminando as concorrentes e o número de espécies pode diminuir. Fica então clara uma função ecológica da perturbação: criar manchas de habitat adequado para as espécies abundantes nas etapas iniciais da sucessão, mas que são sucessivamente excluídas pela competição em etapas mais avançadas. Por outro lado, perturbações muito extensas, frequentes ou intensas podem eliminar grande parte das espécies de paisagens inteiras, restando apenas as mais tolerantes ao tipo de perturbação em causa.

Deste modo, uma paisagem sujeita a um regime de perturbações de extensão, frequência e intensidade intermédias, caracterizada por manchas em diversas etapas da sucessão ecológica (que se inicia logo após a perturbação) proporcionará um meio variado, que fornecerá habitat a um considerável número de espécies. Estas encontram sempre, em cada momento no tempo, uma mancha de habitat favorável onde sobreviver e a partir da qual colonizar outras manchas de habitat que vão surgindo ao longo do ciclo ”perturbação – sucessão – perturbação”.

Foi com base nestas ideias que Connell propôs, em 1978, a hipótese do nível de perturbação intermédio, segundo a qual a biodiversidade é máxima em ecossistemas sujeitos a perturbações intermédias quanto à respetiva extensão, frequência e intensidade (Meffe e Carroll 1997). Esta noção questionou velhas ideias segundo as quais a diversidade biológica seria máxima em ecossistemas em equilíbrio (clímax da sucessão) e não perturbados. […]»

José Manuel Lima Santos. Agricultura e biodiversidade: uma diversidade de temas. CULTIVAR– Cadernos de Análise e Prospetiva – CULTIVAR, nº 8, junho, 2017. GPP, pp 13-19.

 

«[…] Dada esta diversidade de impactos (positivos e negativos) da agricultura sobre a biodiversidade, existem várias correntes alternativas à forma como se aborda esta relação (Tscharntke et al. 2012). Uma dessas correntes (conhecida como “land sparing”1) preconiza a separação total das áreas com objetivos de produção e conservação, ou seja, a intensificação da agricultura com objetivos económicos e de produção nas áreas mais apropriadas, esquecendo completamente as questões de conservação e argumentando que, desta forma, a necessária produção de alimentos será conseguida numa área geográfica mais reduzida, sobrando mais área para a conservação da biodiversidade. Esta corrente ignora os valores de biodiversidade associados a áreas agrícolas mais extensivas, os quais dependem da manutenção de atividade agrícola mesmo que em áreas marginais e com pouca rentabilidade económica. Uma outra corrente (“land sharing”) advoga precisamente a manutenção destas áreas, argumentando que para além da biodiversidade, elas preservam outros serviços de ecossistema importantes (valor cénico, produtos tradicionais, qualidade da água, etc.) que devem ser valorizados num contexto de multifuncionalidade da paisagem. Há ainda quem defenda a adoção de estratégias de gestão para manutenção da biodiversidade, mesmo em contextos agrícolas mais intensivos, numa lógica de “intensificação ecológica” (Bonmarco et al. 2013), em que elementos da biodiversidade podem ser utilizados como fonte de importantes serviços para a agricultura (controlo de pragas, polinização, fertilidade do solo) que devem ser potenciados como substitutos de inputs de origem antropogénica. A intensificação ecológica tem como objetivos manter ou aumentar a produtividade, mas minimizando os impactos sobre o ambiente através da integração de serviços de ecossistema nos sistemas de produção agrícola.[…]»

1 “Poupar a terra”, numa tradução literal, por oposição a “land sharing”, “partilhar a terra”.

Francisco Moreira, Ângela Lomba. A importância da agricultura na preservação da biodiversidade. CULTIVAR– Cadernos de Análise e Prospetiva – CULTIVAR, nº 8, junho, 2017. GPP, pp 39-45.

 

«[…] os objetivos são os de potenciar o desenvolvimento dos territórios rurais, considerando os sistemas produtivos e não produtivos com uma abordagem territorial: ou seja, uma abordagem que considera em conjunto os recursos naturais, económicos, sociais e culturais de um determinado território, potenciando novos arranjos institucionais que permitem aproveitar de uma forma mais coerente todos os recursos, para o desenvolvimento rural e bem-estar das comunidades rurais. Aqui, incluem- se os bens e serviços públicos que são suportados por estes territórios e pelas atividades que neles se desenvolvem. Entre estes, a paisagem tem um lugar central, como suporte de funções com crescente valor social, como o recreio e lazer, a identidade cultural, a qualidade de vida e o bem-estar coletivo e individual. Esta é a perspetiva que há mais tempo tem tido destaque e sido debatida: a do papel da agricultura na construção de uma paisagem específica e com um carácter único em cada lugar, e da importância dessa paisagem no suporte de benefícios societais – ou seja, da agricultura como garante da diversidade e carácter da paisagem rural, que tão valorizada é pela sociedade europeia.

(…) A paisagem é assim, além de tudo mais, um mediador para a gestão integrada do espaço rural e das diferentes procuras e expetativas relativas a esse espaço. […]»

Teresa Pinto Correia. A agricultura e a paisagem, suporte de múltiplos usos e valores sociais. CULTIVAR– Cadernos de Análise e Prospetiva – CULTIVAR, nº 8, junho, 2017. GPP, pp 47-51.

 


publicado por Fernando Delgado às 00:17
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