Domingo, 29 de Maio de 2005
Papalagui, (Guache s/linho, 50x60)
"O Papalagui mora, como o mexilhão do mar, dentro duma concha dura. Vive entre pedras, como a escolopendra entre as fendas de lava. Tem pedras a toda a volta, de lado e por cima. A sua cabana assemelha-se a um baú de pedra posto ao alto; um baú cheio de cubículos e de buracos. (...) A maior parte das cabanas é habitada por maior número de pessoas do que as que há numa só aldeia de Samoa. É preciso, por isso, saber-se exactamente o nome da aiga (família) que se quer visitar. Porque cada aiga ocupa a sua própria parte do baú de pedra, no cimo, em baixo ou ao meio, à direita, à esquerda ou mesmo em frente. Além disso, na maior parte das vezes, uma aiga nada sabe da outra, mas mesmo nada, como se entre elas houvesse, não apenas uma parede de pedra, mas Manomo, Apolima, Savaii (três ilhas do grupo de Samoa) e inúmeros mares. Muitas vezes mal sabem o nome das que lhe estão ao lado e quando se encontram, ao entrar para o abrigo, cumprimentam-se de má vontade e zunem, quais insectos hostis, como se estivessem zangadas de se verem constrangidas a viverem perto uma da outra. Quando uma aiga mora lá em cima, junto ao telhado da cabana, temos de trepar em ziguezague ou à roda, através de vários ramos, antes de chegar ao sítio onde o nome da aiga estiver escrito na parede. (...) Em Samoano depressa sufocaria num baú assim, onde não passasse ar fresco, como acontece em todas as cabanas de Samoa. (...) É quase incompreensível que um homem não morra em tal sítio, que o desejo de sair dali o não transforme em pássaro, que lhe não cresçam asas para poder tomar impulso e levantar voo, rumo ao ar livre e ao sol. (...) É pois nestes baús que o Papalagui passa a vida. (...)"
in "O Papalagui, discursos de tuiavii, chefe da tribo de tiavéa nos mares do sul". (O Papalagui é o "Branco", o "Senhor" e os discursos referem-se à descrição que fez aos seus compatriotas polinésios após a sua visista à Europa. Textos recolhidos por Erich Scheurmann)
Segunda-feira, 9 de Maio de 2005
(Óleo s/tela, 60x48)
Terça-feira, 3 de Maio de 2005

Fernando Pessoa e a Lâmpada de Aladim (Óleo s/tela, 50x75)
Segunda-feira, 2 de Maio de 2005
(Óleo s/ tela, 24x30)
Segunda-feira, 18 de Abril de 2005
Grafiti (óleo s/tela, 90x30)
(Grafiti = grafito. Palavra, frase ou desenho, normalmente de carácter jocoso, informativo, contestatário ou obsceno, em muro ou parede de local público. Do it. graffito).Dicionário da Língua Portuguesa 2004. Porto Editora.
Sexta-feira, 15 de Abril de 2005
(Óleo s/tela, 66x75)
Os espaços têm sempre o tamanho da nossa imaginação, no limite são infinitos. Já aquilo que os preenche está condicionado pela memória, podendo resumir-se a pequenos pedaços, alguns fragmentos que persistem à voragem do tempo. É um erro pensar que alguns desses pedaços também são imaginário, já são qualquer coisa sem nunca terem sido coisa nenhuma. O sonho é sonho desde que exista um espaço, mesmo imaginário, mas esse sonho só é real se as personagens tiverem um rosto, mesmo sabendo que esse rosto, esse pequeno fragmento, é o que resta de um processo de decantação inconsciente.
(Sinto que escrevo palavras cujo sentido poderia ser o mesmo se as letras estivessem dispostas ao acaso. Sinto que os fragmentos do quadro têm esta lógica de arbitrariedade, de incoerência exposta, de gosto pessoal, de coisas só minhas. É uma forma de ser egoísta).
Domingo, 10 de Abril de 2005

(Óleo s/tela, 60x70) (...)
"Aquele que tem a pretensão de se recordar palavra por palavra duma conversa pareceu-me sempre um mentiroso ou um mitómano. Pela minha parte, nunca retenho mais que alguns fragmentos, um texto cheio de buracos, como um documento comido pelos vermes. Não oiço as minhas palavras, no preciso instante em que as pronuncio. Quanto às do outro, escapam-me e recordo-me tão-só do movimento de uma boca ao alcance dos meus lábios. (...) Depois, e excepto no que se refere ao pormenor puramente estratégico, há uma lacuna na minha memória. Creio que existem em cada vida períodos em que um homem existe realmente, e outros em que não é mais que um aglomerado de responsabilidades, de fadigas e, para as cabeças fracas, de vaidade. (...) "
Marguerite Yourcenar, in O Golpe de Misericórdia
Segunda-feira, 4 de Abril de 2005
(Óleo s/tela, 90x66)
Livros/Papéis/Canetas/Escrita/Lápis/Restos/Nada/Caos/Cores/Água/Idéias/Síntese...
Domingo, 27 de Março de 2005
(Chuveiro azul, óleo s/tela, 30x94)
"(...)
Mentira! Não fui tua... não! Somente...
Quis ser mais do que sou, mais do que gente,
No alto orgulho de o ter sido em vão!"
Florbela Espanca (versos de "Vão Orgulho")
Sábado, 5 de Março de 2005
(Autoretrato. Óleo s/tela, 30 x 42)
"Em todos os problemas essenciais só há provavelmente dois métodos de pensamento, o de La Palisse e o de Don Quixote."
A. Camus in O Mito de Sísifo
Sábado, 19 de Fevereiro de 2005
(Recinto da Feira, Óleo s/tela, 60 x 50)
Sei que havia um enorme balão multicor a esvoaçar rente às nuvens; sei que as tendas ameaçavam fugir com o vento, mas que por artes mágicas se mantinham coladas ao chão; sei que as ofertas dos vendedores eram inverosímeis, mas credíveis; sei que a mistura de cores, sons, sabores e odores se transformavam num arco-íris permanentemente à minha frente, ou dentro de mim... Sei tudo isto. Mas sei que no meu imaginário este espaço esteve sempre delimitado, restringido a um conjunto de emoções, de forma a permanecer efémero, que é a única maneira de continuar real. Sei que agora fico para o fim da feira, para o epílogo, olhando o balão a esfumar-se, as tendas a ameaçarem desconjuntar-se, as inúmeras inutilidades sujas e despojadas a arrastarem-se pelo chão. Mas o que mais me prende a estes espaços de fim de festa, são os olhares esvaziados de promessas dos vendedores e os rostos cansados dos últimos resistentes. Qualquer deles, na sua essência, parecem Quixotes emergindo de uma luta indecifrável por entre panos de tenda rasgados, à procura de um fim heróico... Ah, e as farturas! As farturas...
Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2005
(Óleo s/ tela, 50 x 40)
Domingo, 23 de Janeiro de 2005
(Segredos, Óleo s/tela, 60x50)
Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2005
(Noite de Fogo, Óleo s/tela, 60x100)
Há noites assim - apenas deixam que o luar descubra o leve arder dos dias numa espécie de antecipação de qualquer mensagem... Não gosto destes dias, porque não gosto das notícias que trazem, muito sorrateiramente, às escondidas, fazendo parte de um qualquer jogo fatal... Devíamos ter o direito de ignorar alguns dias do ano, de passar sobre eles, de os riscar do calendário e da memória. Há momentos em que devíamos ter o direito de não ser.