Sexta-feira, 8 de Abril de 2016

... às portas do casino

No Le Monde: «Panama papers: comprendre le système offshore en 3 minutes»

 


publicado por Fernando Delgado às 23:10
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Domingo, 3 de Abril de 2016

O casino!...

«Milhões de documentos mostram como chefes de Estado, criminosos e celebridades usam paraísos fiscais para esconder dinheiro e património»

(A corrupção ao mais alto nível! Os sinais acumulam-se e um dia alguém dirá, ou todos diremos: basta!

Transcrevo na íntegra o texto do Expresso, sabendo que virão aí muitos mais textos deste género...)

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«Fuga de informação gigante revela esquemas de crime e corrupção no mundo inteiro

Uma fuga enorme de documentos expõe companhias offshore ligadas a doze antigos e atuais líderes mundiais, e revela como pessoas próximas do presidente russo Vladimir Putin desviaram dois mil milhões de dólares através de bancos e empresas fantasma.

A fuga de informação também fornece detalhes das transações financeiras ocultas de outros 128 políticos de todo o mundo.

O acervo de 11,5 milhões de ficheiros mostra como uma indústria global de sociedades de advogados, empresas fiduciárias e grandes bancos vendem o segredo financeiro a políticos, burlões e traficantes de droga, bem como a multimilionários, celebridades e estrelas do desporto.

Estas são algumas das descobertas que resultam de uma investigação conduzida ao longo de um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists, ICIJ), pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por mais de uma centena de outros órgãos de comunicação social, incluindo o Expresso.

Os ficheiros relevam a existência de empresas offshore controladas pelos primeiros-ministros da Islândia e do Paquistão, o rei da Arábia Saudita e os filhos do presidente do Azerbeijão. Incluem também pelo menos 33 pessoas e empresas que constam numa lista negra da administração norte-americana por se envolverem em negócios com os patrões da droga mexicanos, organizações terroristas como o Hezbollah ou países como a Coreia do Norte e o Irão.

Uma destas empresas forneceu combustível para os aviões que o Governo sírio usou para bombardear e matar milhares de cidadãos, de acordo com uma acusação formal feita pelas autoridades dos Estados Unidos.

"Estas descobertas mostram como as práticas danosas e criminosas estão profundamente arreigadas no mundo offshore", diz Gabriel Zucman, economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autor de "A Riqueza Oculta das Nações: inquérito sobre os paraísos fiscais" (editado em Portugal pela Temas e Debates e pelo Círculo de Leitores). Zucman, que teve conhecimento dos resultados da investigação, afirma que a divulgação dos documentos deveria levar os governos a criar "sanções concretas" contra jurisdições e instituições que vendem esquemas de segredo em offshores.

Os nomes de líderes mundiais que aderiram a plataformas anti-corrupção aparecem nos documentos. Os ficheiros mencionam empresas offshore ligadas à família do presidente da China, Xi Jinping, que declarou querer combater "os exércitos da corrupção", bem como do presidente ucraniano Petro Poroshenko, que se apresenta como um reformador num país abalado por escândalos de corrupção. Os documentos contêm também novos pormenores de negócios feitos através de offshores pelo falecido pai do primeiro-ministro britânico David Cameron, um líder do movimento que quer reformar os paraísos fiscais.

Os dados da fuga de informação cobrem um período de quase 40 anos, de 1977 a finais de 2015. Permitem uma visão inédita, a partir de dentro, sobre o mundo dos regimes offshore — fornecendo um olhar do dia-a-dia, década após década, de como o dinheiro sujo fluía e ainda flui através do sistema financeiro global, alimentando o crime e espoliando as receitas fiscais de muitos Estados.

A maioria dos serviços oferecidos pela indústria offshore são legais se forem usados ao abrigo da lei. Mas os documentos mostram que bancos, sociedades de advogados e outros atores do mundo offshore evitam muitas vezes seguir os requisitos legais que existem para garantir que os seus clientes não estão envolvidos em empresas criminosas, fuga aos impostos ou corrupção política. Nalguns casos, os documentos mostram que os intermediários se protegem a si e aos seus clientes ocultando negócios suspeitos ou manipulando registos oficiais.

Os documentos tornam claro que os grandes bancos estão por detrás da criação de companhias fantasma difíceis de detetar nas Ilhas Virgens britânicas, no Panamá e outros paraísos fiscais. Os ficheiros listam mais de 15.600 empresas fictícias que os bancos criaram para clientes que querem manter escondidas as suas finanças, incluindo algumas milhares de companhias criadas pelos gigantes internacionais UBS e HSBC.

Os registos revelam um padrão de operações secretas levadas a cabo por bancos, empresas e pessoas ligadas ao líder russo Putin. Mostram empresas offshore ligadas a esta rede a movimentar dinheiro em transações que chegam aos 200 milhões de dólares de uma só vez. Pessoas próximas de Putin têm camuflado esquemas de pagamentos, alterando inclusive a data de documentos, enquanto ganham ao mesmo tempo influência no seio dos media do país e da indústria automobilística, de acordo com o que vem nos documentos.

Um porta-voz do Kremlin recusou-se a responder a questões sobre esta história. Em vez disso, veio a público a 28 de março com acusações de que o ICIJ e os seus parceiros de media estavam a preparar um “ataque informativo” contra Putin e a pessoas próximas do presidente russo.

A origem da fuga: Mossack Fonseca

Os documentos que constam desta fuga de informação — que foram revistos por uma equipa de mais de 370 jornalistas de 76 países — provêm de uma pouco conhecida, mas poderosa firma de advogados com sede no Panamá, a Mossack Fonseca, que tem filiais em Hong Kong, Miami, Zurique e em mais de 35 outros pontos do globo.

A firma é um dos maiores criadores mundiais de empresas de fachada, estruturas empresariais que podem ser usadas para esconder a propriedade de património e dinheiro. Os ficheiros internos desta sociedade de advogados que constam da fuga têm informações sobre 214.488 entidades offshore relacionadas com pessoas em mais de 200 países e territórios. O ICIJ divulgará a lista completa das empresas e pessoas a elas ligadas no início de maio.

Os dados incluem e-mails, relatórios financeiros, passaportes e registos empresariais que revelam os titulares secretos de contas bancárias e empresas em 21 jurisdições offshore — do Nevada, nos EUA, a Singapura ou às Ilhas Virgens Britânicas.

O braço da Mossack Fonseca estende-se ao tráfico ilegal de diamantes em África, ao mercado internacional de arte e a outros negócios que assentam no secretismo. A empresa ajudou membros de casas reais no Médio Oriente suficientes para encher um palácio. Permitiu a dois reis, Mohammed VI de Marrocos e Salman da Arábia Saudita, saírem para o mar em iates de luxo.

Na Islândia, os documentos mostram como o primeiro-ministro Sigmundur David Gunnlaugsson e a a sua mulher detêm secretamente uma empresa offshore que possuía milhões de dólares em obrigações do tesouro islandês durante a crise financeira islandesa.

Os ficheiros incluem um homem, condenado por lavagem de dinheiro, que afirma ter realizado uma campanha de fundos ilegal que juntou 50 mil dólares usados para pagar aos assaltantes de Watergate; 29 multimilionários da lista da “Forbes” com as 500 pessoas mais ricas do mundo; e a estrela do cinema Jackie Chan, que tem pelo menos seis empresas geridas através da Mossack Fonseca.

Tal como acontece com muitos outros clientes, não há provas de que Chan utilizou as suas empresas para fins menos próprios. Ter uma empresa num offshore não é ilegal. Para algumas transações internacionais, é uma escolha lógica.

Os documentos da Mossack Fonseca indicam, no entanto, que os clientes da firma incluem burlões, reis da droga, gente em fuga ao fisco e pelo menos um condenado por crimes sexuais. Um homem de negócios norte-americano condenado por viajar para a Rússia para ter sexo com órfãos menores de idade assinou papéis para uma empresa offshore enquanto estava preso em Nova Jersey, de acordo com os registos.

Os ficheiros contêm novos detalhes acerca de grandes escândalos que vão do mais famoso assalto ao ouro em Inglaterra até às acusações de subornos que envolvem a FIFA, a instituição que governa o futebol mundial.

Dirigentes da FIFA e Lionel Messi

Os documentos revelam que o escritório de advogados de Juan Pedro Damiani, membro da comissão de ética da FIFA, tinha relações de negócios com três homens que foram indiciados no escândalo da organização — o antigo vice-presidente da FIFA Eugenio Figueredo, bem como Hugo e Mariano Jinkis, a equipa pai-filho acusada de pagar subornos para ganhar os direitos de transmissão de eventos futebolísticos na América Latina. Os registos mostram que a sociedade de advocacia de Damiani no Uruguai representava uma empresa offshore ligada aos Jinkis e sete outras companhias ligadas a Figueredo.

Em resposta às perguntas feitas pelo ICIJ e por alguns jornais, o painel de ética da FIFA lançou uma investigação preliminar à relação de Damiani com Figueredo. Um porta-voz do comité disse que Damiani informou pela primeira vez a comissão sobre os seus laços empresariais com Figueredo a 18 de março - um dia depois de a equipa de repórteres ter enviado a Damiani perguntas relacionadas com o facto de a sua firma de advogados trabalhar para empresas ligadas ao antigo vice-presidente da FIFA.

O futebolista Lionel Messi também aparece nos documentos. Os registos mostram que Messi e o seu pai eram donos de uma empresa do Panamá: Mega Star Enterprises Inc. Isto acrescenta um novo nome à lista de empresas de fachada conhecidas por estarem ligadas a Messi. Os seus esquemas de offshore são atualmente alvo de um inquérito sobre evasão fiscal em Espanha.

Sejam famosos ou desconhecidos, a Mossack Fonseca trabalha agressivamente para proteger os segredos dos seus clientes. No Nevada, segundo os registos, a firma tentou proteger-se e proteger os seus clientes do embate de uma ação judicial no Tribunal Distrital dos Estados Unidos, retirando os arquivos em papel que tinha na filial de Las Vegas e apagando os registos eletrónicos de computadores e telemóveis.

Os ficheiros mostram que a empresa se oferece regularmente para antecipar as datas de documentos para ajudar os seus clientes a tirarem vantagens nos seus negócios financeiros. Isto era tão vulgar, que em 2007 uma troca de e-mails mostra funcionários da empresa a falarem sobre estabelecer uma tabela de preços — os clientes pagariam 8,75 dólares por cada mês que um documento empresarial tivesse de recuar no tempo.

Numa resposta escrita às perguntas do ICIJ e dos seus parceiros de media, a empresa diz que “não favorece nem promove atos ilegais”. “As vossas alegações de que fornecemos aos acionistas estruturas supostamente destinadas a esconder a identidade dos verdadeiros donos são completamente falsas e sem fundamentação.”

A empresa acrescenta que o atraso de datas de documentos "é uma prática aceite e bem fundada" que é "comum na nossa indústria, e o seu objetivo não é encobrir ou esconder atos ilícitos".

A empresa diz que não pode responder a perguntas sobre clientes específicos por causa da sua obrigação de manter a confidencialidade.

O co-fundador da firma jurídica, Ramón Fonseca, disse numa recente entrevista à televisão panamiana que a empresa não tem responsabilidade sobre o que os clientes fazem com as empresas offshore que a firma vende. Compara a sua sociedade de advogados a um fabricante automóvel cuja responsabilidade termina quando um carro é produzido. Culpar a Mossack Fonseca pelo que as pessoas fazem com as suas empresas é como culpar um construtor automóvel “se o carro for usado num assalto a um banco”, afirmou.

Sob escrutínio

Até há pouco tempo, a Mossack Fonseca trabalhou largamente na sombra. Mas passou a estar sob crescente escrutínio quando houve governos que obtiveram fugas parciais dos documentos internos da firma e as autoridades da Alemanha e do Brasil começaram a investigar as suas práticas.

Em fevereiro de 2015, o jornal “Süddeutsche Zeitung” relatava que as autoridades alemãs tinham lançado uma série de inquéritos tendo como alvo um dos maiores bancos do país, o Commerzbank, numa investigação por fraude fiscal que pode desembocar em acusações de crime contra funcionários da Mossack Fonseca.

No Brasil, a sociedade de advogados tornou-se um alvo na Operação Lava Jato, que levou a acusações judiciais contra políticos de relevo e a uma investigação ao popular ex-presidente Lula da Silva. O escândalo ameaça atingir a atual presidente Dilma Rousseff.

PILAR OLIVARES

Em janeiro, os procuradores brasileiros classificaram a Mossack Fonseca como uma "grande lavadora de dinheiro" e anunciaram que tinham aberto processos-crime contra cinco funcionários dos escritórios brasileiros da firma pelo seu papel no escândalo. A Mossack Fonseca nega quaisquer práticas ilegais no Brasil.

As revelações encontradas nos ficheiros da firma aumentam de forma significativa as anteriores fugas de registos offshore que o ICIJ e os seus parceiros dos media expuseram nos últimos quatro anos.

Na maior colaboração jornalística alguma vez empreendida, jornalistas que trabalham em mais de 25 línguas escavaram as operações internas da empresa e seguiram as pistas dos negócios secretos dos clientes da Mossack Fonseca em todo o mundo. Partilharam informação e foram atrás de pistas encontradas nos ficheiros usando registos de empresa, registos de propriedade, declarações financeiras, documentos judiciais, entrevistas com especialistas em lavagem de dinheiro e agentes da autoridade.

Repórteres do “Süddeutsche Zeitung” obtiveram milhões de documentos de uma fonte confidencial e partilharam-nos com o ICIJ e outros parceiros. Os media envolvidos na colaboração não pagaram pelos documentos.

Antes de o “Süddeutsche Zeitung” ter tido acesso à fuga, as autoridades fiscais alemãs compraram um pequeno conjunto de documentos da Mossack Fonseca a um denunciante, um "whistleblower", ação que espoletou as operações de buscas realizadas no início de 2015 na Alemanha. Este pequeno conjunto de ficheiros tem sido desde então oferecido a autoridades fiscais do Reino Unido, Estados Unidos e outros países, segundo fontes bem informadas.

Este conjunto mais vasto de documentos, entretanto obtido pelos jornais, oferece mais que um retrato simples dos métodos de negócio usados por uma sociedade advogados ou um catálogo de clientes duvidosos. Permite uma visão ampla de uma indústria que tem trabalhado para manter ocultas as suas práticas — e dá pistas para perceber porque têm falhado os esforços para reformar o sistema.

A história da Mossack Fonseca é, em muitos aspetos, a história do próprio sistema de offshores.

Crime do século

Na madrugada de 26 de novembro de 1983, seis ladrões penetraram no armazém da Brink’s-Mat no aeroporto londrino de Heathrow. Os assaltantes amarraram os seguranças, regaram-nos com gasolina, acenderam um fósforo e ameaçaram-nos que iam largar fogo a menos que eles abrissem o cofre do armazém. Lá dentro, os assaltantes encontraram quase sete mil barras de ouro, diamantes e dinheiro.

"Muito obrigado pela vossa ajuda. Tenham um bom Natal", disse um dos meliantes à saída.

Os media britânicos chamaram ao golpe o "Crime do Século". Grande parte do saque, incluindo o dinheiro proveniente do ouro que foi derretido e vendido, nunca foi recuperado. O destino do dinheiro tornou-se um mistério que continua a fascinar os estudiosos do submundo inglês.

Agora, documentos encontrados entre os ficheiros da Mossack Fonseca revelam que a empresa e o seu co-fundador Jürgen Mossack podem ter ajudado os autores do assalto a manter os despojos longe da vista das autoridades, ao protegerem uma empresa ligada a Gordon Parry, um negociante de Londres que lavou o dinheiro aos cérebros do assalto ao Brink’s-Mat.

Quinze meses depois do assalto, segundo os registos, a Mossack Fonseca criou no Panamá uma empresa de fachada chamada Feberion Inc. para Gordon Parry. Jürgen Mossack era um dos três diretores "nomeados" da firma, um termo usado nesta indústria para os figurantes que controlam a companhia no papel, mas não têm de facto nenhum poder sobre as suas atividades.

Um memorando interno escrito por Mossack mostra que ele tinha conhecimento em 1986 que a empresa estava "aparentemente envolvida na gestão de dinheiro do famoso roubo do Brink’s-Mat em Londres. A própria empresa não tinha sido utilizada ilegalmente, mas podia dar-se o caso de ter investido dinheiro através de contas bancárias e propriedades com origens ilegítimas.”

Os registos da Mossack Fonseca de 1987 tornam claro que Parry estava por detrás da Feberion. Em vez de auxiliar as autoridades a terem acesso aos bens da Feberion, a sociedade de advogados deu passos no sentido de evitar que a polícia do Reino Unido tivesse acesso à empresa, de acordo com os documentos encontrados.

Depois de a polícia ter obtido os dois certificados (com as acções ao portador) que controlavam a propriedade da empresa, a Mossack Fonseca arranjou maneira de a Feberion emitir mais 98 novas ações, manobra que parece ter retirado efetivamente o controlo da Feberion das mãos dos investigadores, revelam os documentos.

Só em 1995 — três anos depois de Parry ter sido condenado a dez anos de prisão pelo seu papel no golpe do século — é que a Mossack Fonseca encerrou a sua relação de negócios com a Feberion.

Um porta-voz da sociedade de advogados disse que quaisquer alegações de que a firma serviu de escudo aos assaltantes do Brink’s-Mat "são inteiramente falsas". O porta-voz acrescentou que Jürgen Mossack “nunca teve quaisquer negócios" com Parry e nunca foi contactado pela polícia acerca do caso.

A defesa encetada pela Mossack Fonseca à firma de Parry ilustra até onde vão os operacionais das offshores para servir os interesses dos seus clientes.

Os dois fundadores da Mossack

O sistema offshore assenta numa crescente indústria global de banqueiros, advogados, contabilistas e outros intermediários que trabalham em conjunto para proteger os segredos dos clientes. Estes especialistas em secretismo usam companhias anónimas, trusts e outras entidades-fantasma para criar estruturas complexas que podem ser usadas para disfarçar as origens de dinheiro sujo.

“Eles são a gasolina que faz trabalhar o motor”, diz Robert Mazur, um antigo agente dos narcóticos nos Estados Unidos e autor de “O Infiltrado: a minha vida secreta dentro dos bancos sujos por detrás do cartel de Medellín de Pablo Escobar”. “São uma peça extraordinariamente importante da fórmula de sucesso das organizações criminosas.”

A Mossack Fonseca disse ao ICIJ que segue “tanto a letra como o espírito da lei”. “Porque o fazemos, nunca fomos nem uma vez, em quase 40 anos de operação, acusados de crimes.”

Os homens que fundaram a firma há décadas — e continuam a ser hoje os seus principais sócios — são figuras bem conhecidas na sociedade e na política do Panamá.

Jürgen Mossack é um imigrante alemão cujo pai procurou uma nova vida no Panamá para a família depois de ter servido nas Waffen-SS de Hitler. Ramón Fonseca é um romancista premiado e que nos últimos anos foi conselheiro do presidente do Panamá. Tirou uma licença sem vencimento como conselheiro presidencial em março depois de a sua empresa se ver implicada no escândalo do Brasil, e o ICIJ e seus parceiros começarem a levantar questões acerca das práticas usadas pela sua sociedade.

Da sua base no Panamá, uma das zonas de topo da indústria do segredo financeiro, a Mossack Fonseca semeia empresas anónimas não só incorporadas neste país, mas também nas Ilhas Virgens Britânicas e noutros paraísos fiscais.

A firma tem trabalhado de perto com grandes bancos e grandes firmas de advogados em locais como a Holanda, o México, Estados Unidos e Suíça, ajudando clientes a movimentar dinheiro ou a reduzir os seus impostos, como mostram os registos secretos.

Uma análise do ICIJ ao acervo de ficheiros apurou que mais de 500 bancos, incluindo as suas subsidiárias e filiais, trabalharam com a Mossack Fonseca desde os anos 70 para ajudar clientes a gerirem empresas offshore. A UBS criou mais de 1100 empresas offshore através da Mossack Fonseca. O HSBC e os seus associados criaram mais de 2300.

Ao todo, a Mossack Fonseca trabalhou com mais de 14 mil bancos, escritórios de advogados, criadores de empresas e outros intermediários para erguer empresas, fundações e trusts para clientes.

A Mossack Fonseca afirma que estes intermediários são os seus verdadeiros clientes, não os eventuais clientes que usam os offshores. A firma diz que estes intermediários fornecem camadas adicionais de supervisão para aceitar novos clientes. Quanto aos seus procedimentos, diz que muitas vezes excedem “as regras e padrões existentes, aos quais nós e outros estamos ligados”.

Nos seus esforços para proteger a Feberion Inc., a empresa de fachada ligada ao assalto ao ouro na Brink’s-Mat, a Mossack Fonseca usou os serviços de uma firma sediada no Panamá, a Chartered Management Company, dirigida por Gilbert R. J. Straub, um expatriado americano que desempenhou um papel de figurante no escândalo do Watergate.

Em 1987, quando a polícia britânica estava a investigar a empresa de fachada, Jürgen Mossack e outros diretores da Feberion demitiram-se, tendo ficado assente que seriam substituídos por novos diretores nomeados pela Chartered Management de Straub, indicam os ficheiros secretos.

Straub acabou por ser apanhado numa operação das autoridades americanas antidroga que não estava relacionada com o caso Brink’s-Mat, segundo Mazur, o antigo agente infiltrado. Mazur construiu o caso que levou Straub a dar-se como culpado de lavagem de dinheiro em 1995. Segundo o antigo agente, Straub tentou demonstrar a sua boa fé descrevendo como encaminhou ilegalmente dinheiro para a campanha que reelegeu Nixon em 1972.

Segredos e vítimas

O pai de Nick Kgopa morreu quando o rapaz tinha 14 anos. Os colegas que trabalhavam com ele numa mina de ouro no norte da África do Sul disseram que tinha sido morto por exposição a elementos químicos letais. Nick, a mãe e o irmão mais novo, que é surdo, sobreviveram apenas graças aos cheques mensais de um fundo para viúvas e órfãos de mineiros. Um dia, os pagamentos pararam.

A família de Nick era uma de muitas que sofreram por causa de uma fraude num investimento de 60 milhões de dólares, levada a cabo por homens de negócios sul-africanos. A acusação alegava que um grupo de indivíduos ligados a uma empresa de gestão de títulos, a Fidentia, tinha conspirado para sacar milhões de fundos de investimento — incluindo os subsídios por morte dos mineiros destinados a 46 mil viúvas e órfãos.

Documentos da Mossack Fonseca mostram que pelo menos dois dos homens envolvidos na fraude usaram a sociedade de advogados do Panamá para criar empresas offshore — e que a Mossack Fonseca estava desejosa de ajudar um dos vigaristas a proteger o seu dinheiro, mesmo depois de as autoridades o ligarem publicamente ao escândalo.

Burlões e outros autores de fraudes que prejudicaram milhares de vítimas usam frequentemente estruturas offshore para conduzir os seus esquemas ou esconder as suas receitas. O caso Fidentia não é a única grande fraude que aparece nos ficheiros dos clientes da Mossack Fonseca.

Na Indonésia, por exemplo, pequenos investidores alegam que uma empresa criada pela Mossack Fonseca nas Ilhas Virgens Britânicas foi usada para roubar 3.500 pessoas num montante de pelo menos 150 milhões de dólares. “Nós precisamos desse dinheiro para pagar a escola do nosso filho em Abril”, diz um investidor indonésio num e-mail enviado à Mossack Fonseca, em abril de 2007, depois dos pagamentos pararem. “Pode dar-nos alguma sugestão sobre o que podemos fazer?” — perguntou o investidor num inglês macarrónico, depois de ter visto a Mossack Fonseca no panfleto de apresentação do fundo.

No caso Fidentia, os registos da Mossack Fonseca mostram que um dos homens presos mais tarde na África do Sul pelo seu papel na fraude, Graham Maddock, pagou à Mossack Fonseca 59 mil dólares em 2005 e 2006 pela criação de duas empresas offshore, incluindo uma chamada Fidentia North America. A firma de advogados diz nos seus registos que lhe deu “o serviço VIP”.

A Mossack Fonseca também criou estruturas offshore para Steven Goodwin, um homem que os procuradores, mais tarde, alegaram que desempenhou um “papel instrumental” no caso Fidentia. Quando o escândalo rebentou em 2007, Goodwin voou para a Austrália, depois para os Estados Unidos, onde um advogado da Mossack Fonseca se encontrou com ele num hotel de luxo de Manhattan, para discutir as suas holdings offshore, revelam os documentos internos da empresa.

O advogado da Mossack escreveu mais tarde que ele e Goodwin “falaram profundamente” sobre o escândalo da Fidentia e que ele “convenceu Goodwin a proteger melhor” as ações da sua companhia offshore, transferindo-as para terceiros. No seu memorando, o quadro da sociedade de advocacia dizia aos colegas que Goodwin não estava envolvido no escândalo “de maneira nenhuma” — era uma mera “vítima das circunstâncias”.

Em abril de 2008, o FBI prendeu Goodwin em Los Angeles e recambiou-o para a África do Sul, onde se deu como culpado de fraude e lavagem de dinheiro. Foi condenado a dez anos de prisão.

Um mês depois da prisão de Goodwin, um funcionário da Mossack Fonseca sugeria um plano para frustrar os investigadores sul-africanos que iriam começar a escavar nos activos que ligavam a empresa offshore de Goodwin à Hamlyn Property LLP, que tinha sido criada para comprar propriedades na África do Sul. O funcionário propunha que um contabilista “preparasse” auditorias para 2006 e 2007, “para tentar evitar que o procurador agisse contra entidades para além da Hamlyn”. No seu e-mail, a palavra “preparar” vinha entre aspas. Não é claro se a proposta foi adotada.

A Mossack Fonseca não respondeu às perguntas do ICIJ sobre a sua relação com Goodwin. Um representante disse ao ICIJ que ele “não tinha nada a ver” com o colapso da Fidentia “ou com os 46 mil órfãos e viúvas, direta ou indiretamente”.

Politicamente expostos

A 10 de fevereiro de 2011, uma empresa anónima nas Ilhas Virgens Britânicas chamada Sandalwood Continental Ltd. emprestou 200 milhões de dólares a uma igualmente obscura firma sediada em Chipre, chamada Horwich Trading Ltd.

No dia seguinte, a Sandalwood atribuiu o direito de recolher pagamentos do empréstimo — incluindo juros — à Ove Financial Corp., uma empresa misteriosa nas Ilhas Virgens Britânicas. Por esses direitos, a Ove pagou um dólar. Mas o rasto do dinheiro não termina aqui.

No mesmo dia, a Ove reatribuiu os seus direitos de cobrar o empréstimo a uma empresa panamiana chamada International Media Overseas. Esta também pagou um dólar.

No espaço de 24 horas, o empréstimo tinha, no papel, atravessado três países, dois bancos e quatro empresas, queimando no processo todo o rasto do dinheiro.

Havia muitas razões pelas quais os homens por detrás da transação podiam querê-la disfarçada, a menor das quais não seria porque o rasto passava desconfortavelmente perto do líder russo Vladimir Putin.

O Banco Rossiya, sediado em São Petersburgo, uma instituição cujo principal acionista e presidente tem sido identificado como um dos tesoureiros de Putin, criou a Sandalwood Continental e geriu o fluxo de dinheiro.

A International Media Overseas, onde os direitos ao pagamento de juros dos 200 milhões parecem ter aterrado, era controlada no papel por um dos mais velhos amigos de Putin, Sergey Roldugin, um violoncelista clássico que é padrinho da filha mais velha do presidente russo.

O empréstimo de 200 milhões foi uma das dezenas de transações, totalizando dois mil milhões de dólares, encontradas nos ficheiros da Mossack Fonseca, envolvendo pessoas ou empresas ligadas a Putin. Fazem parte de uma empresa do Banco Rossiya que ganhou influência indireta sobre um dos principais acionistas no maior fabricante russo de camiões, e acumulou participações secretas no capital social de um grupo de média russo.

Pagamentos suspeitos feitos por amigos de Putin podem ter em certos casos sido designados como luvas, possivelmente em troca de apoios do Governo russo ou de contratos públicos. Os documentos secretos sugerem que grande parte do dinheiro do empréstimo vinha originalmente de um banco do Chipre, que nessa época era maioritariamente detido pelo Banco VTB, controlado pelo estado russo.

Numa conferência de imprensa convocada na semana passada, o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, dizia que o Governo não respondia às perguntas “orquestradas” do ICIJ ou dos seus parceiros, porque continham questões que “já foram feitas centenas de vezes e respondidas centenas de vezes”.

Peskov acrescentava que a Rússia tinha “disponível um arsenal completo de meios legais na arena nacional e internacional para proteger a honra e a dignidade do nosso presidente”.

Ao abrigo das leis nacionais e dos acordos internacionais, sociedades como a Mossack Fonseca, que ajudam a criar empresas e contas bancárias, devem estar vigilantes em relação a clientes que possam estar envolvidos em lavagem de dinheiro, evasão fiscal e outros crimes. Devem prestar atenção especial a “pessoas politicamente expostas” (PEP) — membros de governos ou seus familiares e sócios. Se alguém é um PEP, os intermediários que criam as suas empresas devem rever as atividades dessa pessoa cuidadosamente para se certificarem de que não está envolvida em corrupção.

A Mossack Fonseca disse ao ICIJ que “estabeleceu devidamente políticas e processos para identificar e lidar com os casos de indivíduos qualificados como PEPs ou relacionados com PEPs”.

A Mossack parece muitas vezes não perceber quem eram os seus clientes. Uma auditoria interna de 2015 descobriu que a firma conhecia a identidade dos verdadeiros donos de apenas 204 das 14.086 companhias que tinha criado nas Seychelles, um paraíso fiscal no Oceano Índico.

As autoridades das Ilhas Virgens Britânicas multaram a Mossack Fonseca em 37 mil dólares por violar regras anti-lavagem de dinheiro, porque a empresa constituiu uma companhia para o filho do antigo presidente egípcio Hosni Mubarak, mas não conseguiu identificar a relação, mesmo depois de pai e filho terem sido acusados de corrupção no Egito. Uma revisão interna da sociedade de advogados concluiu: “A nossa fórmula de análise de risco é seriamente fraca”.

Ao todo, uma análise do ICIJ aos ficheiros da Mossack Fonseca identificou 58 membros de famílias e pessoas relacionadas com primeiros-ministros, presidentes e reis.

Os registos mostram, por exemplo, que a família do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, usou fundações e empresas no Panamá para deter ações secretas em minas de ouro e imóveis em Londres. Os filhos do primeiro-ministro paquistanês Nawaz Sharif também tinham terrenos no Reino Unido, através de companhias criadas pela Mossack Fonseca.

Familiares de pelo menos oito atuais ou antigos membros do Comité Permanente do Politburo da China, o principal corpo dirigente do país, têm empresas offshore arranjadas através da Mossack Fonseca. Entre eles, está o cunhado do Presidente Xi, que criou duas empresas nas Ilhas Virgens Britânicas em 2009.

Representantes dos líderes azeri, paquistanês e chinês não responderam a pedidos para comentarem estas revelações.

A lista de líderes mundiais que usaram a Mossack Fonseca para criar entidades offshore inclui o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, que foi diretor e vice-presidente de uma empresa das Bahamas gerida pela Mossack Fonseca, quando era um homem de negócios e presidente da Câmara de Buenos Aires. Um porta-voz de Macri disse que o presidente nunca deteve pessoalmente ações na firma, que era parte do negócio de família.

Durante os dias mais sangrentos da invasão pelos russos da região ucraniana de Donbas, em 2014, os documentos mostram que representantes do líder ucraniano Petro Poroshenko andaram à procura de uma fatura para completar a papelada exigível para criar uma holding nas Ilhas Virgens Britânicas.

Um porta-voz de Poroshenko disse que a criação da firma não tinha nada a ver com “quaisquer acontecimentos políticos ou militares na Ucrânia”. Os conselheiros financeiros de Poroshenko dizem que o presidente não incluiu a firma das Ilhas Virgens Britânicas nas suas declarações fiscais de 2014, porque nem a holding nem as duas empresas associadas em Chipre e na Holanda têm qualquer património. Dizem que as empresas faziam parte de uma reestruturação empresarial para ajudar a vender o negócio de confecções de Poroshenko.

Quando Sigmundur David Gunnlaugsson se tornou primeiro-ministro da Islândia, em 2013, guardou um segredo que poderia ter prejudicado a sua carreira política. Quando entrou para o parlamento em 2009, ele e a mulher partilhavam a propriedade de uma empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Vendeu as ações da empresa meses mais tarde, por um dólar.

A empresa detém títulos que chegaram a valer milhões de euros em três grandes bancos da Islândia, que faliram durante a crise financeira global de 2008, tornando-o credor nas suas falências. O governo de Gunnlaugsson negociou um acordo com os credores no ano passado sem revelar o efeito que esse acordo teve nas finanças da sua família.

Gunnlaugsson negou nos últimos dias que os interesses financeiros da sua família influenciaram as suas posições. Os registos revelados não esclarecem se as posições políticas de Gunnlaugsson beneficiaram ou prejudicaram o valor dos títulos detidos através da empresa offshore.

Numa entrevista com um parceiro de media do ICIJ, “Reykjavik Media”, Gunnlaugsson negou ter património escondido. Quando foi confrontado com o nome da empresa offshore ligada a ele, a Wintris Inc., o primeiro-ministro disse: “Começo a sentir-me um pouco estranho com essas perguntas, porque é como se estivessem a acusar-me de algo.” Pouco depois, pôs fim à entrevista.

Quatro dias mais tarde, a sua mulher tornou a questão pública, publicando uma nota no Facebook em que garantia que a empresa era dela, não do marido, e que tinha pago todos os impostos devidos.

Desde então, membros do Parlamento da Islândia têm perguntado por que razão Gunnlaugsson nunca revelou a existência da empresa offshore, com um deputado a pedir a demissão do primeiro-ministro e do seu governo.

O primeiro-ministro ripostou com uma declaração de oito páginas em que argumenta não ser obrigado a dar conta pública da sua relação com a Wintris, porque a companhia é propriedade, de facto, da sua mulher, e porque é “simplesmente uma holding e não uma empresa envolvida em atividades comerciais”.

Debaixo de um manto offshore

Em 2005, um barco de recreio chamado Ethan Allen afundou-se no Lake George, em Nova Iorque, num acidente que resultou na morte de 20 turistas idosos. Quando os sobreviventes e as famílias dos mortos processaram a empresa de turismo, souberam que esta não tinha seguro, porque tinha havido uns burlões que lhe tinham vendido uma apólice falsa.

Malchus Irvin Boncamper, um contabilista da ilha de St. Kitts, nas Caraíbas, deu-se como culpado num tribunal americano em 2011, por ter ajudado os vigaristas a lavar as receitas das suas fraudes. Isto criou um problema para a Mossack Fonseca, porque Boncamper tinha servido de testa de ferro — um diretor “nominal” — para 30 empresas criadas pela sociedade de advogados.

Mal soube da condenação de Boncamper em tribunal, a Mossack Fonseca tomou rapidamente medidas. Disse aos seus escritórios para substituir Boncamper como diretor das empresas — e para antecipar as datas dos registos de forma a parecer que as mudanças tinham ocorrido, em certos casos, uma década antes.

O caso Boncamper é um dos exemplos nos ficheiros que mostram que a sociedade de advogados usa táticas questionáveis para esconder das autoridades locais os seus próprios métodos ou as atividades dos seus clientes.

Na Operação Lava jato, no Brasil, os procuradores alegam que funcionários da Mossack Fonseca destruíram e ocultaram documentos para camuflar a participação da sociedade de advogados na lavagem de dinheiro. Um documento da polícia afirma que, num caso, um funcionário do ramo brasileiro da empresa enviou um e-mail dando instruções aos colegas para ocultarem os registos de cliente que podia ter sido alvo de uma investigação policial: “Não deixem nada. Eu guardo-os no carro ou em minha casa”.

No Nevada, de acordo com os registos, funcionários da Mossack Fonseca trabalharam em finais de 2014 para ocultar os laços entre a filial de Las Vegas e o seu quartel-general no Panamá, antecipando-se a uma ordem de um tribunal dos Estados Unidos para a filial de Las Vegas dar informações sobre 123 empresas criadas pela firma jurídica. A acusação argentina tinha ligado essas empresas com sede no Nevada a um escândalo de corrupção, envolvendo os antigos presidentes Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner.

Num esforço para se livrar da jurisdição dos tribunais americanos, a Mossack Fonseca alegou que o seu escritório de Las Vegas — a MF Nevada — não era, de facto, uma filial. Disse que não controlava o escritório.

Os registos internos da firma mostram o contrário. Indicam que a sociedade de advogados no Panamá controlava a conta bancária da MF Nevada e que os seus co-fundadores e outro quadro da Mossack Fonseca possuíam 100 por cento da MF Nevada.

Para apagar as provas dessa relação, a firma conseguiu retirar da filial uma série de documentos em papel e apagou registos informáticos da ligação que existia entre as operações do Nevada e do Panamá, como mostram e-mails internos. Uma grande preocupação, como diz um e-mail interno, era que a gerente da filial pudesse ser demasiado “nervosa” para levar a cabo essa missão, facilitando aos investigadores a descoberta de que “estamos a esconder alguma coisa”.

A Mossack Fonseca recusou-se a responder a perguntas sobre os casos do Brasil e do Nevada, mas negou de forma geral que tenha obstruído investigações ou encoberto atividades ilícitas. “Não faz parte da nossa política esconder ou destruir documentação que pode ser útil em qualquer investigação ou processo em curso”, afirma a empresa.

Reformar o mundo secreto

Em 2013, o líder britânico David Cameron exortava os territórios ultramarinos do seu país — incluindo as Ilhas Virgens Britânicas — a trabalhar com ele para “pormos as nossas próprias casas em ordem” e se unirem à luta contra a evasão fiscal e o segredo das jurisdições offshore.

Não precisava de olhar para mais longe do que o seu falecido pai para ver como isso ia ser difícil. Ian Cameron, um corrector de bolsa multimilionário, era cliente da Mossack Fonseca, usando a sociedade de advogados para proteger o seu fundo de investimento, a Blairmore Holdings, Inc., dos impostos britânicos.

O nome do fundo provém da Blairmore House, a propriedade ancestral da família. A Mossack Fonseca registou o fundo de investimento no Panamá, apesar de muitos dos seus investidores-chave serem britânicos. Ian Cameron controlou o fundo desde a sua criação, em 1982, até à morte, em 2010.

Um prospeto para investidores dizia que o fundo "deve ser gerido e conduzido de forma a que não se torne residente no Reino Unido para efeitos de taxação do Reino Unido”. O fundo conseguia isso utilizando certificados de propriedade conhecidos como "ações ao portador", e empregando quadros "nomeados" da empresa baseada nas Bahamas, como se vê nos registos da firma agora divulgados.

A história do paraíso fiscal de Ian Cameron é um exemplo de como o segredo das offshores se entrelaça com as vidas das elites políticas e financeiras de todo o mundo. É também um importante motor económico para muitos países. O peso desse interesse tem tornado difícil a reforma do sistema.

Nos Estados Unidos, por exemplo, estados como Delaware e Nevada, que permitem o anonimato aos proprietários das empresas, continuam a lutar contra os esforços para exigir maior transparência às empresas.

O país-sede da Mossack Fonseca, o Panamá, recusou-se a abraçar um plano para troca de informações sobre contas bancárias a nível mundial — com medo de que a sua indústria de offshores pudesse ficar com uma desvantagem competitiva. Dirigentes panamianos dizem que vão trocar informações, mas numa escala bem mais modesta.

O desafio que os reformadores e agentes da lei enfrentam é como descobrir e travar comportamentos criminosos quando estão enterrados sob camadas de secretismo. A ferramenta mais efetiva para contornar o segredo tem sido as fugas de documentos offshore que trazem a público acordos escondidos.

As fugas de documentos divulgadas pelo ICIJ e pelos seus parceiros de media levaram à aprovação de legislação e a investigações judiciais em dezenas de países — e espalharam o medo entre os clientes dos offshores que temem que os seus segredos sejam revelados.

Em Abril de 2013, depois de o ICIJ publicar as histórias dos "Offshore Leaks”, baseadas em documentos confidenciais das Ilhas Virgens Britânicas e de Singapura, alguns clientes da Mossack Fonseca trocaram e-mails com a empresa procurando assegurar-se de que os seus bens em offshores estavam a salvo do escrutínio.

A Mossack Fonseca disse aos clientes para não se preocuparem. Afirmou que o compromisso com a "privacidade" dos seus clientes "foi sempre central e, neste sentido, a sua informação confidencial está armazenada no nosso centro de dados de última geração. Quaisquer comunicações dentro da nossa rede global são tratadas através de um algoritmo encriptado que cumpre com os mais altos padrões de classe mundial”.

* Este artigo foi escrito por Bastian Obermayer, Gerard Ryle, Marina Walker Guevara, Michael Hudson, Jake Bernstein, Will Fitzgibbon, Mar Cabra, Martha M. Hamilton, Frederik Obermaier, Ryan Chittum, Emilia Díaz-Struck, Rigoberto Carvajal, Cécile Schilis-Gallego, Marcos García Rey, Delphine Reuter, Matthew Caruana-Galizia, Hamish Boland-Rudder, Miguel Fiandor e Mago Torres.»

Expresso, 03.04.2016

 


publicado por Fernando Delgado às 23:43
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Quarta-feira, 24 de Fevereiro de 2016

Escravatura...

Muitas vezes fico com a sensação de que se aproxima o fim de um ciclo. Os sinais acumulam-se:

(i) 3 ou 4 empresas de rating, empresas privadas não se sabe bem de quem, nem com que legitimidade, determinam se um país vale muito, pouco ou rigorosamente nada. Tem consequências? Tem!, mas os procedimentos são claros: existem sempre cidadãos, contribuintes na linguagem cadavérica destes príncipes de Maquiavel, dispostos a pagar. Em nome de quê, com que objectivo?;

(ii) o fluxo de dinheiro, muito dinheiro, é um bem universal, mas o fluxo de pessoas é um crime. Os migrantes, os desgraçados da globalização que fiquem onde estão. Morrem de fome, afogam-se no mar Egeu, ou matam-se uns aos outros em qualquer inferno terreno? - que importa isso, nós só queremos as matérias-primas ao preço mais baixo possível e viver no nosso cantinho olhando pesarosos as imagens de uma irracionalidade colectiva;

(iii) a globalização é imaterial, especulativa e apenas traduz na prática aquilo que todos já sabemos há muito tempo: "a minha pátria é o número de uma conta bancária", seja em que lugar for, ou mesmo em lugar nenhum, que é a forma perfeita de irresponsabilidade;

É uma questão de tempo - uma geração, menos que isso? Não faço ideia. Os sinais, como outros sinais da história, parecem-me claros. No final alguma coisa se seguirá ao capitalismo idiota em que vivemos ...

E é sempre tempo de por as leituras em dia...

 

«A história conheceu e conhece muitas circunstâncias em que, por não pagamento de uma dívida, uma pessoa perdia a sua liberdade e ia preso ou, pior ainda, era reduzido a um estatuto de escravatura, temporária ou definitiva. Estas práticas existiam na Grécia antiga, com a sempre especial excepção de Atenas, onde Sólon as proibiu. E mais ou menos espalhadas continuaram na Índia praticamente até aos nossos dias, tendo conhecido formas variadas de trabalho forçado durante a expansão colonial europeia. Hoje, uma das formas modernas de escravatura por dívida é praticada pelos grupos mafiosos que exportam mão-de-obra e emigrantes para a Europa e América e mulheres para redes de prostituição, retirando-lhes os documentos, em nome da dívida que contraíram ou as suas famílias para "pagar" a viagem e a entrada ilegal nos países mais ricos. Estamos a falar, como é óbvio, de actividades criminosas, visto que a escravatura é um crime.

Ah!, afinal não é bem assim. Se se tratar de um Estado soberano que tenha uma grande dívida, por exemplo, Portugal, este pode ser obrigado, sob pena de morrer à fome ou de uma qualquer forma de intervenção estrangeira mais ou menos agressiva que o transforme num pária, como aconteceu na Grécia, a aceitar uma qualquer forma de escravatura por dívida. Escravatura significa aqui deixar de ser um país democrático, porque os seus habitantes deixam de poder votar como entenderem, ou então votam sem consequência, porque as políticas que lhe são exigidas são sempre as mesmas — trabalhar para pagar aos credores, sob a forma que os credores consideram ser mais eficaz em função dos seus interesses. Escravatura significa aqui que um país, Portugal, por exemplo, deixa de ser propriedade dos portugueses para o ser dos credores, que definem os orçamentos, as políticas, até ao mais pequeno pormenor, deixando apenas a intendência muito menor aos responsáveis locais. Escravatura significa que esses países e povos que assinaram em desespero de causa um contrato, seja um memorando, seja um tratado orçamental, um contrato por dívida, ou outro, um contrato que obriga todas as políticas a servir a dívida e o seu pagamento, não podem sequer escolher qualquer outro caminho para pagar a dívida que não seja o de aceitarem a escravatura, senão partem-lhes as pernas. Os credores controlam a "reputação" e a "confiança" de um país, conforme ele cumpre os preceitos do bom escravo, e, caso haja dúvidas sobre a sua obediência, tiram-lhe de imediato o ar.

Lembro-me disto quando ouço justificar tudo o que acontece com a "bancarrota Sócrates". E tudo o que nos acontece não é coisa de somenos, é aquilo que define a liberdade de um país e de um povo, é a perda de democracia, a perda de autonomia dos portugueses para se governarem, a redução das suas instituições como o Parlamento à impotência, é o taxation without representation, é a humilhação pública de governos através de fugas de informações de funcionários de Bruxelas, é o desprezo e o deitar gasolina para a fogueira de pessoas como Schäuble e, pior que tudo, é ver portugueses muito contentes com a submissão do seu país. Percebe-se porquê: as políticas que nos são impostas são as deles, identificam-se com elas e os interesses que representam (e representam muitos interesses) sentem-se confortáveis com a escravatura que nos é imposta. Podem não governar já hoje Portugal, mas governam-no a partir de Bruxelas, das agências de rating e do senhor Schäuble.

A "bancarrota Sócrates" foi um desastre para o interesse nacional, Sócrates tem uma imensa responsabilidade, mas não está solitário nessa responsabilidade. Embora ainda haja muitas obscuridades no que aconteceu, a responsabilidade deve ser partilhada com o PSD e o CDS, e em menor grau como BE e o PCP. Parte dessa responsabilidade é também da crise financeira internacional, da maneira como a Alemanha suscitou, com o caso grego, a crise artificial das dívidas soberanas, e do comportamento errático da Comissão sob tutela alemã, que primeiro quis combater a crise deitando dinheiro em cima da economia e depois travou, virando 180º a política económica. Bem vistas as coisas, sem que isso signifique uma caução às políticas despesistas de Sócrates, podia não ter havido a "bancarrota Sócrates".»

José Pacheco Pereira. Escravatura por dívida.Público.

 


publicado por Fernando Delgado às 01:04
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Terça-feira, 29 de Dezembro de 2015

«O Diabo que nos Impariu»

(Dos Catuns de Nicolau Santos, Expresso, 28.12.2015, ao «Diabo que nos Impariu»)

 

«Os Emídios Catuns que nos pregaram um calote de 6,3 mil milhões e andam à solta

Bom dia.

Desculpem, mas não há peru, rabanadas e lampreias de ovos que me façam passar o engulho da fatura que neste final do ano veio parar outra vez aos bolsos dos contribuintes por mais um banco que entrega a alma ao criador, no caso o Banif, no caso mais 3 mil milhões. É de mais, é inaceitável, é uma ignomínia para todos os que estão desempregados ou caíram no limiar da pobreza por causa desta crise e mais uma violência brutal para os que continuam a pagar impostos (e que são apenas cerca de 50% de todos os contribuintes).

Todos nos lembramos do cortejo dos cinco maiores banqueiros portugueses (Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Nuno Amado, Faria de Oliveira e Carlos Santos Ferreira) a irem ao Ministério das Finanças e depois à TVI exigir ao então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, para pedir ajuda internacional. Todos nos lembramos como o santo e a senha da altura era o da insustentável dívida pública portuguesa por erros de gestão do Governo de José Sócrates. Todos nos lembramos das sucessivas reafirmações de que a banca estava sólida por parte do Banco de Portugal e do governador Carlos Costa. Todos nos lembramos dos testes de stress aos bancos conduzidos pela Autoridade Bancária Europeia – e como os bancos nacionais passaram sempre esses testes. E depois disso BPI, BCP, CGD e Banif tiveram de recorrer à linha de crédito de 12 mil milhões acordada com a troika. E depois disso o BES implodiu – e agora o Banif também. E depois disso só o BPI pagou até agora tudo o que lhe foi emprestado. E antes disso já o BPN e o BPP tinham implodido. E a Caixa vai ter de fazer um aumento de capital. E o Montepio é uma preocupação. É de mais! Chega! Basta!

No caso do Banif, é claro que o governador Carlos Costa tem enormes responsabilidades na forma como o problema acabou por ter de ser resolvido. No caso do BES foi ele também que seguiu a estratégia da resolução, da criação do Novo Banco e do falhanço total dessa estratégia – a venda rápida que não aconteceu, a venda sem despedimentos que também não vai acontecer, os 17 interessados que afinal eram só três, as propostas que não serviam, e o banco que era para ser vendido inteiro e agora vai ser vendido após uma severa cura de emagrecimento. É claro também que a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, tem responsabilidades diretas no caso, por inação ou omissão. E é claro que o ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, geriu politicamente o dossiê.

Mas não confundamos os políticos e o polícia com os bandidos, com os que levaram a banca portuguesa ao tapete. E para isso nada melhor do que ler o excelente texto que o Pedro Santos Guerreiro e a Isabel Vicente escreveram na revista do Expresso da semana passada com um título no limite mas que é um grito de alma: «O diabo que nos impariu» - ou como os bancos nacionais destruíram 40 mil milhões desde 2008. Aí se prova que houve seguramente muitos problemas, mas que a origem de tudo está no verdadeiro conúbio lunar que se viveu entre a banca e algumas empresas e alguns empresários do setor da construção. Perguntam os meus colegas: «Sabe quem é Emídio Catum? É um desses empresários da construção, que estava na lista de créditos do BES com empresas que entretanto faliram. Curiosamente, Catum estava também na lista dos maiores devedores ao BPN, com empresas de construção e imobiliário que também faliram». E como atuava Catum? «O padrão é o mesmo: empresas pedem crédito, não o pagam, vão à falência, têm administradores judiciais, não pagam nem têm mais ativos para pagar, o prejuízo fica no banco, o banco é intervencionado, o prejuízo passa para o Estado». Simples, não é, caro leitor?

A pergunta que se segue é: e o tal de Catum está preso? Não, claro que não. E assim, de Catum em Catum, ficámos nós que pagamos impostos com uma enorme dívida para pagar que um dia destes vai levar o Governo a aumentar de novo os impostos ou a cortar salários ou a baixar prestações sociais. Mas se fosse só o Catum… Infelizmente, não. Até as empresas de Luís Filipe Vieira deixaram uma dívida de 17 milhões do BPN à Parvalorem, do Estado, e tinham ainda por pagar 600 milhões de crédito do BES. O ex-líder da bancada parlamentar do PSD, Duarte Lima, deixou perdas tanto no Novo Banco como no BPN. Arlindo Carvalho, ex-ministro cavaquista, também está acusado por ilícitos relacionados com crédito concedido pelo BPN para compra de terrenos. E um dos homens fortes do cavaquismo,Dias Loureiro é arguido desde 2009 por compras de empresas em Porto Rico e Marrocos, suspeita de crimes fiscais e burlas. Mas seis anos depois, o Ministério Público ainda não acusou Dias Loureiro, nem o processo foi arquivado.

Dos 50 maiores devedores do BES, que acumulavam um crédito total de dez mil milhões de euros, «o peso de construtores e promotores imobiliários é avassalador». No BPN, «mais de 500 clientes com dívidas iguais ou superiores a meio milhão de euros deixaram de pagar». E a fatura a vir parar sempre aos bolsos dos mesmos. Por isso, o artigo de Pedro Santos Guerreiro e Isabel Vicente é imperdível. Para ao menos sabermos que o que aconteceu não foi por acaso. Que muita gente não pagou o que devia ou meteu dinheiro ao bolso – e esperou calmamente que o Estado viesse socializar os prejuízos enquanto eles privatizaram os lucros.»

 


publicado por Fernando Delgado às 23:02
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Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015

Banif

O absurdo: numa economia de mercado, há empresas privadas que não podem falir! Essas empresas são bancos e não se afundam, não desaparecem: continuam indefinidamente a flutuar, como um tronco à deriva sobre as águas do rio - um rio que escorre dos bolsos de todos nós. Até quando, porra!

 

«Os rostos da vergonha que é o Banif

O Banif não é só mais um caso na banca portuguesa. É uma vergonha. Com um custo para si, o sempre disponível contribuinte, que pode chegar a um total de 3 mil milhões de euros. Depois do escândalo que foi o BPN, era expectável que a lição tivesse sido aprendida. Afinal não. Brincar com o dinheiro público é mesmo um desporto nacional.

Toda a culpa tem um rosto. E esse rosto tem nomes.

[...]»

Expresso, 21.12.2015

 


publicado por Fernando Delgado às 23:54
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Segunda-feira, 26 de Outubro de 2015

A acrotonia do neo-liberalismo

«Os números do dinheiro» retiraram-me da leitura de Agualusa, o que só por si é um mau presságio (nunca mais acabo de ler o livro dos camaleões...).

 

António Peres Metello, Braga de Macedo, Ricardo Pais Mamede e Teixeira dos Santos, os protagonistas do programa Os números do dinheiro , na RTP 3, até são bons conversadores, mas se cada um deles já é em si uma enciclopédia de certezas (todas as certezas são enciclopédicas, estáticas, inúteis...), no seu conjunto só transmitem incertezas e dúvidas. Não pela incerteza e dúvida - elementos essenciais para qualquer evolução social e económica relevantes -, mas porque traduzem uma evidente incapacidade de ler o presente e, consequentemente, de olhar o futuro. De facto, se os entendo, todos dizem que existe um problema nos mercados financeiros, mas nenhum admite que o problema são os próprios mercados financeiros.

 

Para alguém com poucos conhecimentos nesta matéria, como é o meu caso, o que me fica são umas ideias dispersas que posso ler do seguinte modo: desde há cerca de 40 anos, com a crescente globalização, os mercados financeiros ficaram cada vez mais dependentes de um pisca-pisca em qualquer país do mundo e de um computador na secretária de um qualquer especulador. A crescente luminosidade do pisca-pisca (supostamente o crescimento acentuado do PIB desse país...) corresponde a um crescente fluxo de dinheiro electrónico para esse país. Sempre foi assim, dizem do lado, mas a grande diferença é que passou a ser on line, in time, com um simples toque na tecla enter.

 

E o pisca-pisca, pisca cada vez mais depressa, cada vez com mais luminosidade à força de tantos enter e alimentado pelos próprios enter, até ao momento em que funde. De repente ou lentamente, mas sempre porque alguém carregou pela última vez no enter, mas desta vez para dirigir o fluxo de dinheiro (fluxo financeiro, dizem eles...) para outro pisca-pisca. E a história repete-se...

 

Repete-se até ao momento em que o próprio computador entope e, por mais que se carregue na tecla enter, não há pisca-pisca que responda. É neste ponto que acontecem as crises - financeira, económica, de nível mundial, dizem eles. E acrescentam que há que recomeçar de um ponto muito mais abaixo... São os ciclos económicos, crescimento/crise/crescimento..., numa espécie de repetição histórica, mas sem nunca assegurarem em que ponto estamos neste momento (na tragédia ou na comédia...).

 

Ao ver estes programas, ao ouvir estes ilustres economistas debitar ciência, fico sempre com a sensação de que nenhum deles quer admitir o que me parece óbvio: vivemos numa economia de casino e a globalização sustentada num neo-liberalismo acrótone só serviu para validar e certificar o jogo. Mas também, que sei eu?

 


publicado por Fernando Delgado às 23:28
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Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2015

HSBC

Não me importam os pormenores (as pessoas, os montantes, os intervenientes em geral, …), mas o sistema: o edifício, a arquitectura e a formatação legal (ou pelo menos não ilegal…) que permitiram e sustentaram (permitem e sustentam?) estes procedimentos e os montantes absurdos neles envolvidos. Um dia este sistema autofágico implode!

 

«Foram revelados primeiros nomes de clientes portugueses do HSBC na Suíça, onde tinham aplicados 969 milhões de dólares. Desde 2005 Portugal amnistiou mais do quíntuplo desse valor em capital irregular no estrangeiro.»

Expresso online.

«Há uma declaração de interesse pessoal a fazer: não tenho dinheiro que se veja em lado nenhum e vivo do salário. Depois tenho uma declaração moral: não penso que qualquer pessoa rica seja suspeita. […] Há, no escândalo dos depósitos no banco HSBC, duas vertentes completamente diversas. A primeira, é um errado julgamento moral da riqueza, como se quem fosse rico tenha de ser necessariamente suspeito. A outra vertente é séria: a da fuga ao fisco, que é crime em Portugal e em qualquer parte do mundo civilizado.»

Henrique Monteiro, no Expresso.

«O ritmo de concessão de vistos "gold" caiu a pique imediatamente depois de ter sido conhecida a investigação judicial que levou à detenção de altos responsáveis dos ministérios da […]».

Jornal de Negócios.


publicado por Fernando Delgado às 11:51
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Terça-feira, 20 de Janeiro de 2015

Noticias do casino

(Arnaut, J.L., cidadão português, membro do conselho consultivo da Goldman Sachs)

Ora aqui está um cidadão português merecedor de todo o meu apoio e consideração. Não me lembro de alguém burlar a Goldman Sachs de uma forma tão profissional. Foram 706 M€? À g'anda Zé Luis! Volta quando quiseres - tens uma medalha de mérito à tua espera (Belém está a preparar a cerimónia ) e toda a fraternidade pátria para gastares o chorudo prémio de desempenho que com certeza vais receber. Como diria o Ronaldo: ssiiiiiiiiii!

 

«O Goldman Sachs anunciou esta sexta-feira, 10 de Janeiro, que José Luís Arnaut é o novo membro do conselho consultivo internacional do banco. As funções do português passam por “fornecer conselhos estratégicos sobre uma série de negócios, regiões, políticas públicas e questões económicas, em particular sobre Portugal e os países africanos de língua portuguesa”, revela o comunicado emitido.»

Expresso on-line

«O ex-ministro José Luís Arnaut e o ‘partner’ do Goldman Sachs António Esteves estiveram envolvidos no empréstimo superior a 706 milhões de euros do banco norte-americano ao BES, noticia hoje o Wall Street Journal»

Jornal i on-line

«Os portugueses José Luís Arnaut e António Esteves intervieram de forma decisiva para desbloquear empréstimos da Goldman Sachs ao BES em vésperas do colapso do banco, garante o Wall Street Journal. A operação gerou prejuízos de centenas de milhões com a operação.»

Expresso on-line

 


publicado por Fernando Delgado às 01:14
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Quarta-feira, 10 de Dezembro de 2014

Notícias do casino

(Assembleia da República. Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES)

 

Ricciardi e Salgado parecem ter optado pelo confronto  - e quando, neste tipo de protagonistas, se opta pelo confronto normalmente pretende-se esconder ou diluir a irresponsabilidade. Esta é uma estratégia de diversão, muito conhecida, com os efeitos clássicos: divisão de opiniões com afastamento do essencial do debate, centrando-o em questões pessoais ou familiares.

Um engodo, do qual só saberemos a verdadeira dimensão quando chegar a hora de trocar as fichas e tivermos conhecimento de que a caixa não tem cash para os muitos bilhões em jogo (entre os mil milhões à portuguesa e os biliões à americana, prefiro sempre os bilhões à brasileira, quanto mais não seja pela simbologia certeiramente obscena que a palavra sugere...).

É nessa altura que nos batem à porta!


publicado por Fernando Delgado às 00:30
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Sábado, 8 de Novembro de 2014

Notícias do casino

A LuxLeaks é um bonito nome para baptizar este caldeirão com os ingredientes do costume: um paraíso fiscal, umas dezenas de multinacionais e uma consultora. O cozinheiro também faz parte dos chefs conhecidos. Estes menus, típicos de um mundo globalizado, estão a tornar-se repetitivos e banais, sintoma típico de algo que se desagrega e se decompõe aproximando-se mais do momento de ruptura. É uma questão de tempo, tempo histórico porque a pressa não entre neste jogo.

 

«[...] Uma investigação internacional, divulgada esta quinta-feira por alguns órgãos de comunicação social, revela a existência de acordos fiscais secretos durante oito anos entre o governo luxemburguês e 340 empresas multinacionais. Apple, Amazon, Ikea, Pepsi e Axa são algumas das empresas envolvidas nesta contabilidade paralela.

Segundo o "The Guardian", os acordos foram assinados entre 2002 e 2010, altura em que Jean-Claude Juncker, o atual presidente da Comissão Europeia, era primeiro-ministro do país, e representam milhares de milhões de euros em receitas fiscais perdidas pelos Estados onde as multinacionais estão sediadas.

(...)

Intitulada "Luxembourg Leaks" ou "LuxLeaks",  a investigação - que envolveu 80 jornalistas de 26 países durante seis meses - teve como base cerca de 28 mil páginas de documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). 

(...)

A consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), que mediou os acordos com Luxemburgo e elaborou os relatórios, alega, por sua vez, que as questões colocadas pelos jornalistas do consórcio internacional foram baseadas em informação "roubada" e "antiga", mas que coloca essa questão nas "mãos das respetivas autoridades".[...]»

Expresso online. 06.11.2014.


publicado por Fernando Delgado às 01:07
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Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

Notícias do casino

«Diretor e diretor-adjunto de supervisão saem do Banco de Portugal para a PwC [PricewaterhouseCoopers], auditora que ganhou contratos, sem concurso, no âmbito da supervisão do Banco de Portugal. Conflito de interesses?»

Expresso. URL 

 

«Há expressões extraordinárias que se associam aos bancos. O 'stress' é uma delas. Testes de stress, bancos mais stressados do que outros, chumbos e passagens, até parece fazer sentido dizer: pobres dos bancos! Só pode ser ironia. O stress é nosso. Confesso o meu. Esta semana não paro de pensar no mais fantástico negócio dos últimos meses. Não foi muito publicitado - talvez para não stressar os bancos e os governos  -, salvo por dois ou três comentadores e outras tantas notícias. Deve ser da preguiça de que fala o primeiro-ministro. Refiro-me ao fantástico negócio que transformou um empréstimo que o BES fez ao BES Angola (BESA) no valor de 3,3 mil milhões de euros em 720 milhões, montante que talvez receba um dia o Novo Banco.»

António José Teixeira. Expresso. URL

 

«Físico célebre [Stephen Hawking] diz que Deus

já não é necessário»

Expresso: URL

 

(Já antes Einstein tinha dito 'Deus não joga aos dados', mas fica agora claro que o casino está entregue a um croupier cego, onde os clientes se divertem a lamber as fichas sem valor real. Não há uma orquestra, como no Titanic, mas as bailarinas continuam a insinuar-se aos clientes. The show must go on!)


publicado por Fernando Delgado às 23:18
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Quinta-feira, 9 de Outubro de 2014

Notícias do casino

Estamos na fase final da queda dos políticos que vieram do nada e paulatinamente subiram nas hierarquias partidárias (sabe-se lá como), acabando eleitoralmente despedidos para uma qualquer empresa de influências e proveitos públicos. Restam poucos, mas ainda os suficientes para se temerem uns bons anos de complicadas e compulsivas compensações de favores.

Mas as coisas estão a mudar. Já não se trata de gente sem pedigree e sem estatuto genealógico como foram os boçais “amadores do ofício” Oliveira e Costa, Dias Loureiro e Armando Vara, entre outros, ou de geniais gestores da “piscina do tio patinhas” como João Rendeiro (ironicamente autor do profético livro «João Rendeiro, Testemunho de um Banqueiro»), para não alongar a lista de ilustres seguidores da mais desmedida ambição pessoal.

(Um parêntesis para sublinhar que a ambição é uma característica e não necessariamente uma qualidade. D. Sebastião foi provavelmente um dos mais ambiciosos portugueses de sempre e ainda lá anda, coitado, de espada afiada de ambição a matar infiéis…)

Mas dizia, que já não se trata de gente sem pedigree, sem estatuto genealógico. Não, nada disso. Espirito Santo, Zeinal Bava, Granadeiro, pertencem a outra estirpe. São de outro estatuto, têm muitos “genes genealógicos” (um gene genealógico é um clone, não tem nada de novo, limita-se a reproduzir o passado) ou uma longa colecção de titulos honorificos («o melhor gestor a nível europeu da área das telecomunicações», de Zeinal Bava - pobre Europa!), master’s, pós-graduações, Ph.D., de preferência com carimbos católicos e uma passagem pela “escola da vida” da Goldman Sachs.

Só me importam estes ilustres gestores do efémero porque todos eles tornaram este país mais pobre, mais triste, temo que mais efémero também. Só me importam porque têm seguidores cada vez mais experientes, mais dissimulados, mais profissionais – a gestão política dos últimos anos só reforça esta ideia e as consequências são catastróficas: onde estão e de quem são o BES, o BPN, a PT, a EDP, os Correios, a GALP, a REN, a Cimpor, etc.? O que se segue nesta imensa lista - será que vão chegar às Desertas e às Berlengas?

Será que é mesmo preciso recomeçar do nada?


publicado por Fernando Delgado às 02:00
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Sexta-feira, 3 de Outubro de 2014

Notícias do casino

«TALVEZ AGORA VITOR BENTO PERCEBA COM QUEM SE METEU 

Vítor Bento tem escrito sobre o problema da ética nos negócios e na política. Por isso, é uma daquelas partidas que a história prega a todos, poder ouvir palavras como as que Paulo Portas proferiu publicamente numa reunião centrista, em que Vítor Bento passou de bestial a besta. Portas é um dos principais responsáveis, pela sua posição no governo, da escolha de Vítor Bento, visto que todo o processo do BES é conduzido pelo governo utilizando como instrumento o Banco de Portugal. Portas ouviu com certeza as críticas da oposição de que Bento não tinha experiência bancária, de que a escolha tinha sido política, etc. Ele, como toda a muralha de personalidades do governo que se pronunciaram, bem como os comentadores próximos do poder, reagiram indignados a estas acusações incensando Bento até aos limites, como a excepcional escolha para “salvar” o banco. Bento devia ter compreendido que não era tanto ele próprio, nem o resto da sua equipa que eram elogiados, mas a sageza do governo e do seu instrumento o Banco de Portugal, na escolha.


Agora, Vítor Bento teve que ouvir as palavras de Portas, com a mesma repulsa moral que elas suscitam em gente bem formada. Portas fala como se nada tivesse a ver, assim como o governo que faz parte, na escolha de Vítor Bento, uma escolha errada porque não era um “banqueiro” e não “percebia” de banca, não era “profissional” do ofício para que foi escolhido… pelo governo. E depois dá-lhe uma lição moral, a mesma que Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa lhe deram, e que segundo este último, “toda a gente” partilha, do PSD de Alcobaça aos seus companheiros de praia:


“Os bancos gerem-se por profissionais e por gente que tenha espírito de missão e que, em qualquer circunstância, perceba que o interesse nacional é superior a qualquer interesse pessoal.”


Bento portou-se mal ao demitir-se, devia continuar no banco como responsável de fachada, enquanto a cadeia de comando do governo ao Banco de Portugal decidia tudo em nome dele. Ou seja, Bento não aceitou ser um fantoche e isso só lhe fica bem nestes tempos de dissolução moral. Vem agora um tecnocrata mais dúctil.»

 

José Pacheco Pereira. Abrupto. (URL)


publicado por Fernando Delgado às 22:36
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Segunda-feira, 8 de Setembro de 2014

Notícias do casino

«O caso do BES e do GES é um maná para os advogados especializados neste tipo de litigância, aliás os mesmos que são especialistas na blindagem de contratos, os mesmos que fizeram as contrapartidas, os mesmos que negociaram do lado da banca e do lado do governo. Para meia dúzia deles, porque é um círculo muito fechado, o caso BES/GES vai ser um presente de ouro.

Há muito aventureirismo legal (melhor ilegal) em todo o processo e tantas zonas vermelhas e cinzentas, tanta coisa feita em cima do joelho, e muita mais de legalidade mais que duvidosa, que todos, pequenos e grandes, do lado “bom” e do lado “mau”, têm vantagem em ir a tribunal, mesmo com uma justiça lenta como a nossa. E é evidente que a expectativa de litígios sobre litígios vai embaratecer ainda mais o lado “bom”, visto que ninguém se arrisca a comprar sem ter a certeza de que não fica com um bem enrodilhado por dezenas de anos em processos judiciais. A não ser que o governo se atravesse com garantias e dinheiro, o que já está a fazer e ainda vai fazer muito mais. É só esperar um pouco.»

Abrupto: URL

«[…]

Depois há a intensa produção de paradoxos, que passam por ser o mais linear dos raciocínios. O governo e o Banco de Portugal parecem que querem o BES “bom” vendido o mais depressa possível. Mas para vender bem o BES “bom” este tem que ser “estabilizado”, ou seja, demora tempo. Queremos vender rápido, mas rápido só pode ser “instável”, logo mais barato. No intervalo, a indústria da “estabilidade”, ou seja da imagem e da marca, lá vai ganhando dinheiro com transformar o banco numa borboleta, anúncios, cartazes, fachadas, que nisso somos rápidos e bons a encomendar e há uma verdadeira multidão de “criativos” para responder. Mas se soubessem mais de lepidópteros ou lessem o Nabokov, saberiam que o “novo banco” ficaria bem mais servido com uma larva ou lagarta. Primeiro, porque comem muito, coisa que fica sempre bem a um banco mesmo “bom”, e, quando fosse vendido no esplendor rápido de borboleta então poderia ser que os “contribuintes”, - palavra que deveria ter um alarme acoplado visto que quando o governo a usa ou trata-se de impostos, despedimentos, ou cortes, - ficassem ressarcidos.

[…]»

Abrupto: URL

José Pacheco Pereira. Abrupto.


publicado por Fernando Delgado às 00:01
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Segunda-feira, 4 de Agosto de 2014

Notícias do casino

«Os portugueses viveram acima das suas possibilidades!»

Vitor Bento

 

(O itinerário não podia ser melhor escolhido: Angola, Miami, Líbia,... O enredo tem maus e bons, como qualquer enredo que se preze. Chamam aos primeiros bad e aos segundos novo - não é muito imaginativo, mas funciona. No fim, como sempre, o novo vence o bad. Também como sempre, alguns morrerão em nome de boas causas, em nome do bem, em nome do bom, do not bad. Haverá um veículo para o bad, conduzido pelo Máximo. Para o novo não consta que haja veículo, mas o herói tem nome: Bento. O budget atinge muitos milhões, como convém a qualquer grande história, com tão empolgante elenco. Registam-se as admiráveis interpretações do Ben e do Max, o grande patrocínio da Passos & Luís, SA e a magistral realização do Costa. O Zé, com ar desengonçado, barba por fazer e manguito firme, também entra em cena. À força, sem dar por isso, mas entra. Com um ar tão descomposto que tudo indica vir de qualquer farra acima das suas possibilidades. Faz parte do elenco dos bad's!

Entretanto os críticos destas artes desdobraram-se em elogios. O Marcelo acha que o enredo, os protagonistas e até o produtor e o realizador podem ser candidatos a um ou vários galos de barcelos (o equivalente português do óscar...) e o Mendes até anunciou que vai crescer o cabelo ao Ben, com indicação da data precisa de tal ocorrência e acrescentando que vai usar penteado tipo Bento - o da selecção nacional... O Castrim gritou, do fundo da campa, que os portugueses vivem abaixo das suas possibilidades!...)

(Ficha técnica. Produtores: Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque; Realizador: Carlos Costa; Realizador adjunto: Carlos Tavares; Argumento: Ricardo Espírito Santo; Efeitos especiais: Paulo Portas; Actores: Vítor Bento, Luís Máximo Santos, Zé Povinho, outros; Críticos: Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Mário Castrim)

 

«O BES Angola, o banco de Miami e o líbio Aman Bank ficam no bad bank, segundo a decisão do Banco de Portugal conhecida nesta segunda-feira, que atribui ainda a este veículo 10 milhões de euros para ajudar a administração na recuperação de ativos. O Banco de Portugal tomou este domingo o controlo do BES e anunciou a sua separação num “banco bom”, denominado Novo Banco, e num “banco mau” (bad bank), na prática um veículo que fica com os ativos tóxicos do BES e cuja gestão foi nomeada pelo supervisor e regulador bancário.

Em comunicado hoje emitido, o supervisor e regulador bancário dá conta do que fica no bad bank. Além da totalidade das ações do próprio BES, ficam neste veículo a participação maioritária que o BES tinha no BES Angola, o banco norte-americano Espirito Santo Bank e o banco líbio Aman Bank. Ficam ainda no bad bank os “direitos de crédito” do BES sobre as holdings do Grupo Espírito Santo, caso da Espírito Santo International, ou seja, fica neste veículo a exposição ao GES.

No entanto, refere o supervisor bancário que não ficam no bad bank os “créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do BES” e dos créditos sobre as seguradoras Tranquilidade, Tranquilidade-Vida, Esumédica, EuropAssistance e Seguros Logo, pelo que deverão passar para o Novo Banco. O Banco de Portugal passou ainda para o bad bank um total de 10 milhões de euros para “proceder às diligências necessárias à recuperação do valor dos seus ativos”. O bad bank, liderado por Luís Máximo dos Santos, mantém o nome BES mas não tem licença bancária.»

(Resumo da net, já não sei bem de quem...)


publicado por Fernando Delgado às 22:12
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Terça-feira, 22 de Julho de 2014

Notícias do casino

É um texto longo, publicados na VISÃO, em 19 Setembro de 2013, que valeu a Paulo Pena o Prémio Gazeta de Imprensa, e agora republicado. Sem capacidade de compreender a dimensão dos números - os números muito grandes ainda são realidade? -, confesso que também eu “fiz um swap especulativo, na quinta-feira passada, o euromilhões: e perdi!"

 

«Bancocracia: A verdadeira história da crise bancária portuguesa

As conversas, reuniões e pressões dos banqueiros portugueses, nos dias "negros" de setembro de 2008, há cinco anos, quando o Lehman Brothers faliu, e 40% da riqueza mundial "desapareceu". Desde então, pouco ou nada mudou. Exceto, claro, nas nossas vidas... 

 

Por estes dias, o nome de Vítor Constâncio, vice-presidente do BCE, circula em Bruxelas e Frankfurt como "um dos nomes mais fortes" para encabeçar o Mecanismo Único de Supervisão da Banca europeia, aprovado na quinta-feira, 12, em Estrasburgo. Segundo deputados da Comissão de Economia do Parlamento Europeu, Constâncio é mesmo o candidato principal a este cargo, uma das principais novidades, provocadas pela crise de 2008.

Na quarta-feira da semana passada, 11, outras memórias da crise regressaram ao noticiário.

O BCP, o BPN e o BPP estão entregues aos tribunais. A lista é fastidiosa: Oliveira e Costa, Dias Loureiro e vários ex-responsáveis do BPN, Jardim Gonçalves e cinco ex-administradores do BCP, João Rendeiro e vários ex-administradores do BPP. Nenhum foi condenado, embora todos tenham sido acusados e tenham contra si infindáveis páginas de processos do Banco de Portugal (BdP) e da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Há cinco anos, tudo era diferente.

No início de agosto de 2008, as cinco estrelas do Lake Resort, em Vilamoura, eram poucas para dividir pelas figuras da alta finança que ali comemoravam. O aniversário de Paula Caetano, mulher de Horácio Roque, o homem-forte do Banif, juntou muitos improváveis parceiros de brinde. A festa parece, a esta distância, o fim de uma era.

Américo Amorim, o acionista do BIC, de capitais luso-angolanos, que viria a comprar o BPN, convivia com Alípio Dias. Este, ex-administrador do BCP, acabara de perder a guerra pelo controlo do banco para, entre outros, os capitais angolanos da Sonangol. Lado a lado (e a receber efusivos "beijinhos", segundo uma nota do Expresso), Alípio e Joe Berardo, o acionista que liderou a campanha contra Jardim Gonçalves e deitou por terra o valor das ações do BCP. Nessa guerra pelo BCP, João Rendeiro, homem forte do BPP, era aliado de Berardo. Contra Alípio Dias que tinha, em tempos, tentado evitar que o BPP abrisse as portas. Todos juntos, celebravam.

Faltava um mês e meio para a falência do Lehman Brothers.

O clima internacional era sombrio, havia, pelo menos, um ano, com as notícias ainda que difusas das complicações no mercado hipotecário norte-americano. A economia estava estagnada. As taxas de juro subiam.

Os preços das matérias-primas disparavam. Eram sinais de perigo.

 

Portugal e as Seychelles

Em Portugal, os tempos ainda não eram difíceis para a banca, que valia cerca de três vezes mais que a economia do País.

"O setor financeiro, sobretudo a banca, é sem dúvida o mais poderoso da economia portuguesa, e tutela a política económica", explica Nuno Teles, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Nuno apresentou, na passada quinta-feira, em Londres, a sua tese de doutoramento sobre "financeirização da economia".

Esse poder aumentou, graças à moeda única europeia: "O setor financeiro nacional teve a oportunidade de se endividar no exterior, de forma quase ilimitada, a preços muito baixos. Contudo, aliado à tradicional falta de competitividade da nossa indústria, a banca optou por colocar todo este capital disponível em setores onde o seu lucro estava garantido, nomeadamente a construção e imobiliário. A banca financiava o construtor e, em seguida, financiava o comprador, ficando com o imóvel como garantia." O resultado foi um endividamento líquido recorde ao exterior, apenas ultrapassado pelo das Seychelles.

A indústria transformadora recebia 40% do crédito bancário destinado a empresas, em meados dos anos noventa. Na nossa década, esse valor caiu para metade, "em torno dos 20%", conclui Teles. Além do crédito com "lucro garantido", a banca apostou na área do "rentismo" (rent-seeking), nas palavras de Joseph Stiglitz, o ex-coordenador da equipa de assessores económicos de Clinton, e prémio Nobel da Economia. São rendimentos de "rendas" garantidas pelo Estado, como as PPP, em Portugal.

E é assim que a crise de Wall Street tem um elo com a crise portuguesa. Os credores da banca portuguesa eram, em grande medida, os mesmos do falido mercado hipotecário norte-americano: os grandes bancos do Norte da Europa.

 

Um brinde com 'mimosas'

O problema desta crise começa na própria linguagem. A finança tem uma língua própria (ver A novilíngua da crise) e movimenta números que, para qualquer cidadão, são meras abstrações. A complexidade das operações bancárias, que estão na origem da crise que ainda vivemos, é entediante. Tudo isso faz com que, ainda hoje, cinco anos depois, seja difícil responder à pergunta mais simples: o que se passou? 16 de março de 2008. O Bear Sterns, 5.º maior banco americano, foi "salvo" in extremis, da falência. O seu rival JP Morgan comprou por 2 dólares ações que valiam 172 dólares um ano antes. A Reserva Federal (Fed) comprometeu-se a "limpar" 30 mil milhões de dólares de "lixo" tóxico que infetava o balanço do banco. Numa palavra: subprime.

Na manhã desse domingo, 16, os responsáveis por alguns dos hedge-funds que apostaram contra o Bear Sterns comemoraram a derrocada do "inimigo" com um pequenoalmoço no Hotel Four Seasons de Manhattan, "fazendo brindes com mimosas [um cocktail de sumo de laranja com champanhe] preparadas com garrafas de $350 de Cristal." (Andrew Ross Sorkin, Too Big To Fail, Penguin).

Os bancos têm um poder quase divino: podem "fazer" dinheiro. A maneira mais fácil é emprestá-lo. A nossa dívida é um "ativo".

Dinheiro que, antes, não existia. No caso dos empréstimos subprime, era a galinha dos ovos de ouro: 2 000 000 000 000 de dólares. Dois biliões. Para se ter uma ideia: algumas das maiores empresas mundiais, juntas, como a Apple, a Amazon, o Google e o Facebook, valem apenas metade dessa quantia.

Os norte-americanos, mesmo aqueles que não tinham documentos, emprego ou qualquer tipo de bens, foram aliciados a contrair empréstimos avultados. Entre 2003 e 2005, pediram emprestados 3,7 biliões de dólares.

Mais ou menos o mesmo montante que foi acumulado nos EUA, em poupanças, nos últimos 200 anos... (Matt Taibbi, Griftopia, Spiegel & Grau) Para se precaverem do risco destes estranhos empréstimos, os bancos criaram "seguros " de risco (CDS, CDO, CLO, swaps, ver glossário) que mais não fizeram do que contaminar todo o sistema bancário. Allan Greenspan, ex-governador da Fed, elogiou os bancos pela "inovação" e disse que estes produtos, que ele próprio batalhou por desregular, comportavam riscos "negligenciáveis ". As agências de rating ajudaram, dando notações altas a estas "armas de destruição maciça", como lhe chamou Warren Buffett, o multimilionário norte-americano.

Foi uma festa, enquanto durou. Os CEOs, que não percebiam bem o que os seus "quants", analistas quantitativos, faziam com estes produtos, receberam bónus gigantescos pelos lucros que não paravam de aumentar. Até que rebentou a "bolha".

Quando o mercado do subprime começou a cair, o Banco Central Europeu e a Reserva Federal americana abriram a bolsa aos bancos, para prevenir "o risco significativo de uma crise bancária", como lembra o economista grego Costas Lapavitsas, no seu livro Crisis in the Eurozone. Os bancos usaram essa "liquidez" dada pelos bancos centrais para "aumentarem os seus empréstimos aos países da periferia" na Europa. "A garantia era de que as bancarrotas na Zona Euro seriam impossíveis." (Lapavitsas) 15 de setembro de 2008. O Lehman Brothers faliu.

No dia seguinte, o Governo americano injetou os primeiros 85 mil milhões de dólares na seguradora AIG. O próprio Presidente Bush não conteve o pavor: "É suposto uma companhia de seguros fazer estas coisas?", questionou, ao ser informado do problema dos credit default swaps.

 

Reuniões e inconfidências

Parte desse dinheiro, pago pelos contribuintes americanos, veio diretamente para a Europa.

Os grandes bancos europeus eram os mais expostos ao subprime .

Em setembro de 2008, Portugal era um país muito diferente do que é hoje. Tinha uma dívida pública de 68%, face ao PIB, cerca de metade da que tem atualmente, passados cinco anos, quatro deles vividos em "austeridade".

A Europa decidira gastar, para mitigar o efeito recessivo da crise. O efeito combinado da política "expansionista" com a diminuição dos impostos, causada pela crise, pusera as contas públicas no vermelho.

4 da tarde, hora de Washington DC, de quinta-feira, 25 de setembro de 2008. À volta de uma mesa oval, na Casa Branca, John McCain, o candidato republicano e Barack Obama, o seu adversário democrata, sentaram-se, rodeados pelo Presidente, George W. Bush, o seu vice, Dick Chenney, e o poderoso secretário do Tesouro, Hank Paulson.

Ao seu estilo, Bush deixou uma frase para a posteridade: "Se não soltamos o dinheiro, esta porcaria pode cair ao chão." (Too Big To Fail, Penguin) Bush tentava convencer os dois partidos a aprovar o plano de Paulson, o TARP (Programa de Auxílio para Ativos Problemáticos), no valor de 700 mil milhões de dólares, uma inédita injeção de dinheiros públicos no sistema financeiro, para "limpar" das contas dos bancos o lixo "tóxico" que tinham acumulado em operações complexas e arriscadas. Houve quem chamasse a este "resgate" o "socialismo dos ricos".

Por essa altura, em Lisboa, também havia reuniões de alto nível. Vítor Constâncio mandou chamar, na terça-feira, 30 de setembro, ao Banco de Portugal (BdP), cinco banqueiros: Faria de Oliveira, da CGD, Carlos Santos Ferreira, do BCP, Fernando Ulrich, do BPI, Ricardo Salgado, do BES, e Nuno Amado, do Santander-Totta. A conversa, rigorosamente sigilosa, fora marcada a propósito da crise americana. Mas o habitualmente fleumático governador deixou escapar uma preocupação: "A situação de dois pequenos bancos portugueses." Os bancos nunca foram nomeados, mas, naquela sala, ninguém tinha dúvidas: tratavase do BPN e do BPP. Os visados souberam, rapidamente.

No sábado seguinte, 4 de outubro, uma notícia do Expresso relatava a reunião.

Miguel Cadilhe ficou indignado com esta "inconfidência". À frente do BPN desde 24 de junho de 2008, Cadilhe tentava encontrar uma solução para o banco e para a sociedade que o detinha (a SLN). E corre contra o tempo. Em quatro meses, descobre 96 offshores escondidos e um banco, o Insular, que servia para ocultar prejuízos e lucros, financiar empresas do grupo e esconder operações.

Entre os obstáculos de Cadilhe, que eram muitos, estava o receio, do BdP de um "contágio " americano a Portugal. Não pelo lado "tóxico", mas sim pela ainda mais intangível "confiança". Havia corridas aos depósitos em Inglaterra, Islândia, Irlanda, resgates multimilionários em França, na Bélgica, na Holanda, na Alemanha.

"Na carteira de ativos do BPN não havia produtos derivados. Só aplicações em créditos, depósitos e outros títulos negociáveis normais", garante à VISÃO Manuel Meira Fernandes, o administrador financeiro da equipa de Cadilhe.

 

A nacionalização

Nas reuniões entre Cadilhe e Constâncio, não era a bolha do subprime que causava a visível "crispação". Eram as referências, diretas de Cadilhe à quota de responsabilidade do regulador no caos que estava à vista de todos nas contas do BPN.

Aqui, os depósitos estavam a crescer, mensalmente, desde que Cadilhe e a sua administração tinham chegado. De setembro para outubro, depois do Lehman e da "inconfidência " de Constâncio, registou-se a primeira queda, de quase 300 milhões de euros. Mesmo assim, o saldo ainda superava o registado em junho desse ano, e dezembro de 2007.

A queda fez, no entanto, soar o alarme.

Pressionados por Bruxelas, os governantes queriam evitar, a todo o custo, o mínimo sinal de uma "corrida aos depósitos".

Carlos Costa Pina, na altura secretário de Estado do Tesouro, recorda: "A crise financeira contribuiu para tornar patentes, de forma mais rápida, as fragilidades do BPN. Tive a noção, a partir de julho de 2008, de que a nacionalização poderia ser inevitável. E por isso dei indicações para se começar a preparar essa eventualidade. Deveríamos procurar sempre alternativas, mas sabia que, se elas falhassem, teria que estar tudo pronto para uma decisão imediata. Não haveria, depois, tempo para estudar. Apenas para agir." No Eurogrupo, reunido de emergência, em Paris, após a falência do Lehman Brothers, havia outros motivos de preocupação: a Irlanda tinha dado uma "garantia integral sem limites" aos seus bancos, atirando o défice para uns impensáveis 32% do PIB.

No dia 2 de novembro, um domingo, estava Miguel Cadilhe em Ponte de Lima, quando recebeu uma chamada de Costa Pina. O BPN seria nacionalizado.

Teixeira dos Santos comunicou a decisão, ao lado de Constâncio, numa conferência de imprensa. Cadilhe demitiu-se. E o buraco do BPN não parou de crescer. Os depósitos, esses, caíram a pique. Mil milhões a menos, em setembro de 2009. Outros mil milhões "voaram" em 2010.

Numa coisa Meira Fernandes e Costa Pina estão de acordo: "Os problemas do BPN eram internos e prévios à falência do Lehman Brothers.

A crise financeira acelerou a sua visibilidade, que se teria verificado com ou sem falência do LB." (Costa Pina); "A crise do BPN tem uma génese própria: irregularidades e fraudes. Com ou sem Lehman Brothers, teria sempre acontecido." (Meira Fernandes).

Onde discordam é nas virtudes da solução escolhida pelo Governo. Nacionalizar foi, para Meira Fernandes, "um erro crasso" e uma "mistificação". "O balanço que faço é péssimo. A liquidez do banco agravou-se, a solvabilidade deixou de existir (o banco ficou tecnicamente falido) e a rentabilidade positiva nunca foi atingida. Quem está a suportar os custos da nacionalização, contrariamente ao então afirmado pelo ministro Teixeira dos Santos, são os contribuintes." Carlos Costa Pina admite que algo podia ter sido diferente: "No caso do BPN, não tivesse o contexto sido o que foi e talvez a nacionalização pudesse ter sido evitada, encarando-se a falência. Mas infelizmente não se escolhem os momentos em que os sinistros acontecem e, à época, a falência teria tido proporções não verificáveis noutro contexto."

 

O risco de tudo se repetir

Ainda havia uma segunda "banqueta" (expressão de um ex-banqueiro) em risco: o BPP. Afirma o ex-governador do Banco de Portugal, António de Sousa: "Nunca foi um banco, nem nunca deveria ter sido. Infelizmente, o Banco de Portugal não pôde evitar dar a licença que é obrigatória por lei." O BPP era 14 vezes mais pequeno que o BPN, em volume de depósitos. Por isso, em dezembro de 2008, o Governo não teve dúvidas de que seria deixado à sua sorte. O Estado avalizou 450 milhões de euros para um fundo que procurasse reaver parte dos investimentos perdidos por clientes (que garantiam ter entregue as suas poupanças como depósitos e o banco usou como investimentos de risco).

Mas o problema não estava resolvido.

Para mais quando a Zona Euro entrou, definitivamente, na espiral da crise, com os resgates à Grécia e à Irlanda, em 2010. Foram os bancos portugueses que, ficando sem liquidez nos mercados interbancários, e impedidos pelo BCE de aceder aos financiamentos com garantias, fizeram pressão no sentido da intervenção da troika. Estavam inundados de um novo tipo de "ativo tóxico": os títulos da dívida pública portuguesa (e da grega). Fizeram-no em privado, durante algum tempo, e convenceram o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e o novo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. Mas precisaram de pressionar em público para convencer José Sócrates. Judite de Sousa, jornalista da TVI, convidou os banqueiros para uma série de entrevistas. Para sua surpresa, todos aceitaram, no momento. "48 horas depois, o primeiro-ministro estava a pedir ajuda financeira", contou a jornalista, numa entrevista ao Público. E observou: "Acabei por, com aquelas entrevistas, fazer parte de uma narrativa que foi meticulosamente preparada pelos banqueiros." Nos 78 mil milhões de euros do "resgate" estava incluída uma fatia de 12 mil milhões para "recapitalizar" a banca nacional, garantindo que entre 9% e 10% do dinheiro investido existisse mesmo nos cofres das instituições cumprindo os rácios de capital definidos após a crise, em Basileia. O nome do mecanismo de ajuda aos bancos é complicado Contingent Convertible Bonds. O acrónimo é surrealista: CoCos.

Usaram este financiamento quatro dos maiores bancos portugueses: o BCP, o BPI, o BANIF e a Caixa. Como contrapartida, os bancos têm de pagar juros de 7%, aceitar administradores nomeados pelo Estado e reduzir para metade os vencimentos dos seus administradores. Têm ainda de encolher.

Despedir trabalhadores, fechar balcões.

E estamos, agora, mais preparados para lidar com uma crise bancária? Nuno Teles duvida: "É difícil avaliar se estamos à beira de uma nova crise, mas é claro o quão pouco mudou na economia internacional desde a crise de 2008. Os mecanismos que deram origem à crise quase não se alteraram." Meira Fernandes, que se reformou da atividade bancária, ironiza. "Fiz um swap especulativo, na quinta-feira passada, o euromilhões: e perdi." Mais a sério, este ex-administrador financeiro garante que, hoje, o setor "vive uma crise de confiança". "Aprendemos pouco."

 

Onde estão os protagonistas

À escala europeia pouco passou do papel.

Nos EUA, apesar dos esforços de Paul Volcker, o ex-governador da Fed nomeado por Obama para um conselho de sábios, continua por fazer a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento. Nenhuma das regras impostas por Roosevelt, nos anos 30, de contenção da especulação, revogadas ao longo dos anos 90, foi retomada.

O antigo responsável pelo Lehman Brothers ibérico, o espanhol Luís de Guindos, é o ministro da Economia do Governo de Madrid. Dois dos quadros portugueses do gigante falido norte-americano ocupam, hoje, posições sensíveis: João Moreira Rato é o presidente do IGCP, que gere a dívida pública portuguesa. Deixou o Lehman em julho de 2008, quando era diretor-executivo. João Quintanilha, que começou a sua carreira na equipa de derivados do Lehman Brothers, é hoje membro da consultora Stormharbour, escolhida para assessorar o IGCP na análise dos swaps das empresas públicas.

Há banqueiros no banco dos réus, em Portugal.

Pedro Vaz Serra, antigo responsável pelo extinto BPP, confessou, na quarta-feira passada, dia 11, no Tribunal de Coimbra, 12 crimes de burla e outros tantos de falsificação de documentos. Terá ficado com 731 mil euros dos clientes, que usou para fazer obras numa casa apalaçada, em Oliveira do Bairro. "Senti grandes dificuldades financeiras ", justificou-se, perante os juízes. "Foi um ato esporádico", sublinhou o seu advogado.

Em 2008, era senior adviser do BPP, com uma coluna de opinião no Jornal de Negócios, com o sugestivo título de Ética e Negócios.

Na mesma quarta-feira da semana passada, noutro tribunal, em Lisboa, o conhecido advogado Magalhães e Silva defendeu o seu cliente, Jorge Jardim Gonçalves, fundador do BCP, acusado de crimes de manipulação de mercado por transações em 21 sociedades offshore, criadas pelo BCP, para valorizar as ações do banco, na perspetiva da acusação.

Magalhães e Silva terminou a sua alegação afirmando: "Simplesmente, não é a justiça dos tabloides que se espera deste tribunal." Nos EUA, nenhum dos responsáveis pela banca foi condenado.

A crise parece ter-se transformado num gigantesco "ativo tóxico", limpo pelos biliões que os Estados gastaram. E a roleta continua a girar.

 

GLOSSÁRIO. A NOVILÍNGUA DA CRISE

"Economia" é, na definição de Ambrose Bierce, "adquirir o barril de uísque que não é necessário pelo preço da vaca que não se tem dinheiro para comprar" (Dicionário do Diabo, ed. Tinta da China). As coisas complicam-se, ainda mais, no nosso século...

  • CDO (Collaterized Debt Obligations): Obrigações com garantia real. O nome é engenhoso. Na realidade, trata-se de algo puramente virtual. Um CDO nasce da expetativa de pagamento de um conjunto de dívidas (hipotecas sobre casas, empréstimos sobre carros, cartões de crédito, etc.). Essas dívidas são todas juntas, pelos bancos, e divididas em pedaços. Aqui entram as agências de rating, que dão a cada um dos pedaços uma nota: de AAA a lixo. Depois, os bancos constroem uma pirâmide, em que no vértice estão os ratings mais altos e a base é o "lixo". O "lixo" paga um retorno maior.
  • CDS (Credit Default Swaps): Permutas de risco de crédito. Os CDS podem ser vendidos Over The Counter, ou seja, fora das bolsas. A quem não tem, sequer, qualquer investimento na dívida inicial. O CDS é como um seguro de um carro de alguém que pode ser vendido a outra pessoa que, muito naturalmente, pode apenas querer que o carro se estampe para receber o prémio.
  • Short Selling/ Naked Short Selling: Venda curta e venda curta a descoberto sem garantia. O short-selling tem um objetivo: desvalorizar um determinado bem (ação ou título). A versão "a descoberto" só é possível graças aos buracos na legislação. Imagine o leitor tem uma empresa, que vale 100 euros por ação. Alguém pretende comprar ações por metade do preço. Manda vender, sem comprar e o preço vem por aí abaixo. Foi isso que se passou com a cotação de vários bancos, como o Lehman Brothers.
  • Swaps: Permutas. Por exemplo: uma taxa de juro fixa por uma variável. Mas os swaps podem ser mais especulativos. Taxas de juro por cocktails de "obrigações", flutuações cambiais, índices de matérias-primas... Na Refer, enquanto era responsável financeira, Maria Luís Albuquerque contratou um swap, sobre os juros da dívida da empresa, indexado ao desempenho da coroa sueca.

 

TRÊS PERIGOS QUE SOBREVIVERAM À CRISE

  1. OS BANCOS DEMASIADO GRANDES Se já eram "demasiado grandes para falir", os bancos que sobreviveram à crise de 2008 estão ainda maiores. Sobretudo os "tubarões" de Wall Street, que absorveram outros.
  2. AS 'ARMAS DE DESTRUIÇÃO MACIÇA' Há "notícias de um sistema financeiro cheio de 'ativos tóxicos' na China", adianta o economista Nuno Teles. Nenhum país avançou muito na regulação de "derivados".
  3. OS BANCOS NA SOMBRA Fundos soberanos, hedge-funds, offshores, continuam a desempenhar um papel financeiro importante, e acrescentam risco ao sistema. "Não podemos ter globalização financeira sem regulação supranacionais", defende o ex-governante Costa Pina.»

publicado por Fernando Delgado às 01:11
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Sábado, 1 de Março de 2014

Viriato Soromenho Marques

[... não será isto o "inconseguimento" a que se referia a Exmª Srª Presidente da Assembleia da República? ... ou são apenas insónias, ou paralisias duma almofada incómoda? Mas que estranhas e pequenas personagens nos vigiam o son(h)o...]

 

 

«Almofada de pedra

Como é que designaríamos o comportamento de um cidadão que, incapaz de honrar um crédito pessoal a uma taxa de 3,35%, prestes a atingir a maturidade, contraísse um novo empréstimo a uma taxa de 5,11% para pagar o primeiro ("troca de dívida")? Sem dúvida, tratar-se-ia de um comportamento pouco recomendável. E como seria classificado esse comportamento se o cidadão em causa utilizasse parte do novo empréstimo (de 11-02-2014) para antecipar, parcialmente, o pagamento em 19,5 meses do primeiro empréstimo, pagando 102,89 euros por cada 100 euros de dívida ("recompra")? Seria, certamente, uma atitude temerária, pois aumenta a despesa com juros para apenas empurrar a dívida para o futuro. Pois é isso que o Governo pretende fazer hoje. O leitor pode ir ao site eletrónico do IGCP. Abra o boletim mensal de fevereiro sobre "Dívida Pública". Na p. 2, vê que o Estado vai ter de resolver até 2016 cerca de 39 mil milhões de euros de empréstimos. Esse imenso obstáculo tem sido o pretexto para a constituição de uma volumosa "almofada" financeira. Tudo indica que o IGCP quer recomprar, hoje, uma parte de uma série de dívida a dez anos, contraída a partir de outubro de 2005 (ver p. 3). Se o fizer, às taxas mais recentes no mercado secundário, isso significa que, para o montante que for hoje amortizado, vamos pagar mais 3,53% de juros por ano até outubro de 2015 do que antes das duas operações financeiras supracitadas. Será isto uma gestão prudente, ditada pelo interesse nacional, ou estará o Tesouro público em risco para alimentar uma ilusão pré-eleitoral de triunfo? Será esta uma almofada que alivia o País, ou uma pedra amarrada às pernas que o atira para o fundo? Temos direito a saber a lógica com que se joga o dinheiro sonegado aos salários e às pensões. Direito a uma explicação, ou a uma beliscadela que nos acorde deste pesadelo.»

 

Viriato Soromenho Marques. Almofada de Pedra. Diário de Notícias, 27.02.2014.


publicado por Fernando Delgado às 00:52
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