Local de filmagem: Terreiro do Paço
Ambiente: Urbano, agitado, multiracial, multicultural
Personagens: Ministro das Finanças e Secretário de Estado Adjunto e das Finanças
Take 2 (panorâmico sobre o Terreiro do Paço, com oTejo ao fundo, zoom para a estátua de D. José I, pormenor dos pombos sobre o cavalo e entrada pelas arcadas do ministério das finanças com alteração dos níveis de luz e ruído, passando do mundano ao reservado)
(Mourinho, nas escadas do ministério das finanças parece aguardar Centeno) - bom dia caro ministro..., a sua secretária tem uma carta urgente...
(Centeno) - uma carta, urgente? de quem?
(Mourinho) - do sr. ministro, de si!
(Centeno) - de mim? (rugas fugidias na testa contrastam com o tom infantil da pergunta)
(Mourinho) - sim! diz que existem grandes riscos no orçamento..., o Primeiro já ligou a perguntar o que se passa...
(Centeno) - ah, já percebi, do presidente do Eurogrupo... (sorriso malandro, mas infantil). A carta é para o Secretário de Estado, é para si!
(Mourinho sem convicção) - ... mas está dirigida ao sr. ministro!
(Centeno) - não..., O presidente do Eurogrupo não escreve ao ministro das finanças, ouve-o, dorme com ele! E quando ouve, discorda dele... E quando dorme... (sorriso malandro, lascivo, mas infantil)
(Mourinho desalentado) - mas então o que faço, o que digo ao Primeiro?
(Centeno, com voz pausada, solene) – diz-lhe que o ministro das finanças ouve o presidente do eurogrupo e discorda dele e que o presidente do eurogrupo escreve ao ministro das finanças e ..., e vice-versa...
(Mourinho baralhado) - vice-versa?!...
(Centeno) - sim!, vice aqui, versa lá, em Bruxelas!... vice-versa...
(Mourinho, a morder o dedo mindinho e a olhar para a ponta dos sapatos lustrosos parece meditar e falar para si próprio...)
(Centeno numa decisão rápida) - deixa, eu falo com o Primeiro! Ele ouve-me (cala-se, sobe as escadas,... e ainda murmura para si próprio) - ... se calhar escrevo-lhe uma carta..., ou vice-versa...
Corta!!!
Local de filmagem: gabinete de reuniões do Conselho Europeu, em Bruxelas (como não existe sede do Eurogrupo, é escolhido um ao acaso)
Ambiente: Tipo clandestino - mobiliário austero e iluminação artificial, difusa, com lugares na penumbra.
Personagens: Todos os ministros das finanças do euro, vestidos de fato cinzento-escuro e gravata vermelha, e ainda o vice-presidente da CE, o comissário dos assuntos económicos e financeiros, o presidente do BCE e o diretor do MEE, estes vestidos de fato azul escuro e gravata branca.
Take 1 (travelling pela sala de reuniões antes do início da reunião. Especial atenção à austeridade do ambiente e às facies pálidas das personagens)
(Centeno) - toca a sineta com um riso infantil…
(Centeno) - volta a tocar a sineta e olha com ar reprovador para Giovani Tria, ainda de pé junto da cadeira
(Giovani Tria para Centeno, com o olhar distante, fixo no vazio) – Estou como a torre de Pisa: ainda de pé! (esboça um sorriso, mas perante o silêncio dos restantes acaba por se sentar. Centeno sorri, sorriso infantil!)
(Centeno dá a palavra a Moscovici que inicia um longo discurso) – Sr. Presidente, caros colegas (sorri para os de gravata vermelha) temos que dar umas palmatoadas aqui no camarada Tria (volta a sorrir sem levantar os olhos e por isso não percebeu o esgar de dor do italiano). As regras são regras e como tal têm que ser cumpridas sob risco do três ser ultrapassado ou, na hipótese otimista, ficar mais de cinquenta por cento acima do dois. Coisa que não acredito, já que o dois é um número traiçoeiro que quando inchado se parece mais com o três. Temos que abater o três, custe o que custar…
(Tria, com voz colérica) – E sou só eu que valho menos cinquenta por cento que a diferença entre o dois e o três (faz uma pausa fazendo cálculos mentais). Este cenário não entra em consideração com a hipótese do três também poder inchar e ficar um oito ou um infinito (nova pausa) … um oito deitado…
(Scholz) – morto! (a luz ténue acentua o rosto hirto do personagem)
(Silêncio, longo silêncio… Luz ténue sobre rostos muito brancos, casacos escuros que apenas revelam a silhueta e gravatas berrantes – vermelhas e brancas - como cordas ao pescoço)
(Centeno) – então?!, não é preciso tanto dramatismo (sorriso cândido, infantil)
(Tria, outra vez com voz colérica) – E o senhor presidente, e Portugal? A raiz quadrada do três, somada à diferença do três com o dois, mesmo considerando o grau de liberdade que concede ao um, a si próprio, convenhamos, (e olha Centeno de frente) pelas minhas contas também tende para um oito deitado!
(Centeno sorri, sorriso infantil, ingénuo. Olha para o outro lado da mesa…)
(Mourinho, afagando com a mão direita a gravata vermelha e olhando-a com medo que a cor desbote) – Mas nós temos as contas certas! Um é um e menos o coeficiente de cagança…, perdão, de cagaço, fica quase zero…
(Tsakalotos) – Coeficiente de cagaço?!, mas isso é de engenheiro, camarada… (a cadeira polaca rangeu, rosnar na noite sem lua e a sala ficou mais escura) Aqui tratamos de finanças!
(Mourinho, enrubescido como as crianças repreendidas, afagando novamente a gravata vermelha, que parecia menos vermelha, ignorando o grego, dirigindo-se a Centeno e repetindo) – Sr. Presidente, as nossas contas estão certas: um é um e menos o coeficiente de … segurança (e repetiu) de segurança, fica quase zero! Quase zero, o número perfeito…, perfeito! Deitado ou não, é zero! Zero!
(Centeno, sorriso, sorriso infantil, babado com o bombom do Mourinho)
(Silêncio, longo silêncio. Travelling sobre a mesa iluminada, os copos cheios de água, cristalinos, e saída para um grande plano do quadro pendurado na parede - uma reprodução de um frame da Roma de Fellini. Saída lenta pela janela e zoom para Manneken Pis, ouvindo-se em fundo a sineta e a voz indecifrável de Centeno).
a ave sobrevoou as águas calmas e de um ponto indecifrável cresceram círculos concêntricos que refletiam todo o explendor de cores vivas das asas do bico alongado da cauda em leque do universo de penas floridas e era o começo do dia do dia tão igual como desigual de tudo o que não vê não se toca cresce aparece e desaparece e aparentemente (não) e de certeza existe salta vive a partir de um ponto indecifrável
«Aurora era uma deusa grega da madrugada e de acordo com a mitologia apaixonou-se por um ser humano, um mortal chamado Titão. Ela queria que o amante mortal também fosse imortal. Então foi ter com Zeus, o pai dos deuses, e disse: «Por favor, dá imortalidade ao meu amante.» Então Zeus disse: «Ok, ok, vou tornar o teu amante imortal.» Mas ela cometeu um erro enorme. Ao pedir a imortalidade, esqueceu-se de pedir a juventude eterna. Como consequência, o amante ficou cada vez mais velho, mais velho e mais velho sem nunca morrer.Quando tivermos a fonte da juventude, temos de garantir que, não só vamos viver para sempre, mas temos de aproveitar. Temos de viver para sempre num corpo que seja útil. E é aí que entra a loja do corpo humano...»
Michio Kaku – Físico. City College of New York. 10 segundos para o futuro – 2077. RTP1, 02.01.2018.
não era uma ave era um pássaro assustado que ia caindo na água e também não era um ponto indecifrável era o local exato em que o pássaro com medo defecou
«O envelhecimento é a acumulação de erros. Erros genéticos, erros celulares, erros moleculares. Mas erros do nosso corpo. Agora sabemos que sim, há mecanismos de correção dos erros, mas eventualmente também eles se desgastam. É por isso que morremos.»
Michio Kaku – Físico. City College of New York. 10 segundos para o futuro – 2077. RTP1, 02.01.2018.
e o pássaro voltou e poisou na beira do lago parecia cansado e assim de perto chamei-lhe ave e ele fugiu reconstruindo-se das cores vivas das asas do bico alongado da cauda em leque do universo de penas floridas sobre as águas
- Filho, hoje é dia de volta-de-lua, não devias podar as videiras...
- Hum?
- No meu tempo, os homens levavam uma pequena bacia com água e cinza que punham ao pé das videiras enquando andavam a podar. Quando acontece a volta-de-lua a cinza revolve-se e a água fica turva - não se pode podar mais! As videiras não dão cachos e o vinho estraga-se...
(Entretanto Marcelo foi eleito presidente da república)
Sem bacia com água e cinza, espero que as videiras dêem uvas e o vinho seja bom...
«Os portugueses viveram acima das suas possibilidades!»
Vitor Bento
(O itinerário não podia ser melhor escolhido: Angola, Miami, Líbia,... O enredo tem maus e bons, como qualquer enredo que se preze. Chamam aos primeiros bad e aos segundos novo - não é muito imaginativo, mas funciona. No fim, como sempre, o novo vence o bad. Também como sempre, alguns morrerão em nome de boas causas, em nome do bem, em nome do bom, do not bad. Haverá um veículo para o bad, conduzido pelo Máximo. Para o novo não consta que haja veículo, mas o herói tem nome: Bento. O budget atinge muitos milhões, como convém a qualquer grande história, com tão empolgante elenco. Registam-se as admiráveis interpretações do Ben e do Max, o grande patrocínio da Passos & Luís, SA e a magistral realização do Costa. O Zé, com ar desengonçado, barba por fazer e manguito firme, também entra em cena. À força, sem dar por isso, mas entra. Com um ar tão descomposto que tudo indica vir de qualquer farra acima das suas possibilidades. Faz parte do elenco dos bad's!
Entretanto os críticos destas artes desdobraram-se em elogios. O Marcelo acha que o enredo, os protagonistas e até o produtor e o realizador podem ser candidatos a um ou vários galos de barcelos (o equivalente português do óscar...) e o Mendes até anunciou que vai crescer o cabelo ao Ben, com indicação da data precisa de tal ocorrência e acrescentando que vai usar penteado tipo Bento - o da selecção nacional... O Castrim gritou, do fundo da campa, que os portugueses vivem abaixo das suas possibilidades!...)
(Ficha técnica. Produtores: Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque; Realizador: Carlos Costa; Realizador adjunto: Carlos Tavares; Argumento: Ricardo Espírito Santo; Efeitos especiais: Paulo Portas; Actores: Vítor Bento, Luís Máximo Santos, Zé Povinho, outros; Críticos: Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Mário Castrim)
«O BES Angola, o banco de Miami e o líbio Aman Bank ficam no bad bank, segundo a decisão do Banco de Portugal conhecida nesta segunda-feira, que atribui ainda a este veículo 10 milhões de euros para ajudar a administração na recuperação de ativos. O Banco de Portugal tomou este domingo o controlo do BES e anunciou a sua separação num “banco bom”, denominado Novo Banco, e num “banco mau” (bad bank), na prática um veículo que fica com os ativos tóxicos do BES e cuja gestão foi nomeada pelo supervisor e regulador bancário.
Em comunicado hoje emitido, o supervisor e regulador bancário dá conta do que fica no bad bank. Além da totalidade das ações do próprio BES, ficam neste veículo a participação maioritária que o BES tinha no BES Angola, o banco norte-americano Espirito Santo Bank e o banco líbio Aman Bank. Ficam ainda no bad bank os “direitos de crédito” do BES sobre as holdings do Grupo Espírito Santo, caso da Espírito Santo International, ou seja, fica neste veículo a exposição ao GES.
No entanto, refere o supervisor bancário que não ficam no bad bank os “créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do BES” e dos créditos sobre as seguradoras Tranquilidade, Tranquilidade-Vida, Esumédica, EuropAssistance e Seguros Logo, pelo que deverão passar para o Novo Banco. O Banco de Portugal passou ainda para o bad bank um total de 10 milhões de euros para “proceder às diligências necessárias à recuperação do valor dos seus ativos”. O bad bank, liderado por Luís Máximo dos Santos, mantém o nome BES mas não tem licença bancária.»
(Resumo da net, já não sei bem de quem...)
Fui à pesca e não pesquei nada… Fiquei parado, sentado numa pedra, de cana na mão, a olhar para um tipo (não, não me atrevo a chamá-lo pescador) com um saco cheio de achigãs: pequenos, médios, grandes, minúsculos…, enfim, de todos os tamanhos. Aparentemente o tipo estava feliz!
Há sítios onde nos sentimos sós e egoístas, e incapazes de perceber o mundo. Mas também é nestes sítios que por vezes se encontra um sentido para as teorias que já lemos ou aprendemos em qualquer lado, e não há nada de mais real do que sentir a verdade de uma teoria.
A Tragédia dos Comuns (1) é um texto célebre, de Garret Hardin, publicado em 1968 na revista Science (2) e que posso resumir mais ou menos assim:
Na utilização de pastagens comuns (3), alguns pastores descobrem que se aumentarem o seu rebanho, aumentam o lucro individual, enquanto o custo é dividido por todos. Numa situação extrema, todos os pastores tenderiam a aumentar o rebanho, originando uma sobreexploração dos recursos e a consequente tragédia, em que todos perdem.
O próprio Hardin considera que há muitas questões não técnicas à volta deste problema, para além da questão dos interesses público e privado, mas o que verdadeiramente me interessa é a complexidade do comportamento humano na utilização de recursos públicos.
Aquele tipo, com o saco cheio de achigãs, não conhece de certeza o texto de Hardin, nem deve fazer a mínima ideia do que ele significa. Apeteceu-me bater-lhe (ainda por cima olhava para mim com ar de vencedor de qualquer batalha...), mas também tive medo que ele me respondesse que pode pescar todos aqueles achigãs porque sabe que eu e outros pescadores não o fazemos, revelando-me da forma mais cruel que a tragédia não acontecerá.
Há dias em que não se pode ir à pesca. Não é por lei, é por auto-regulação.
(1) Parece que a expressão é mais antiga e atribuída a William Forster Lloyd, num livro sobre população, publicado em 1833.
(2) Ver texto aqui.
(3) O termo comum provém da expressão commons, que era utilizada para designar as pastagens, as florestas e os campos compartilhados por uma comunidade rural.