Segunda-feira, 24 de Agosto de 2009

O Dedo de Galileu

Há a idéia de que os cientistas são uns tipos fechados, metidos nos seus laboratórios ou imersos nos seus pensamentos, carrancudos, sem grande disponibilidade para o mundo quotidiano. Não me parece que seja bem assim! A ciência é exigente, avessa a facilidades e a generalidades, mas os seus intérpretes perceberam há muito tempo que o mundo depende deles, muito simplesmente porque não se pode viver nesse mundo sem alguém se dar ao trabalho do compreender. Aliás, por alguma razão as universidades são hoje, em todo o mundo, os centros do poder, embora o seu exercício seja delegado, por muito que custe a alguns políticos de trazer por casa (este é um bom tema de reflexão...).

 

Por estes motivos (não encontro agora outra razão objectiva…), habituei-me a ler alguns livros de divulgação científica, não na vã esperança de perceber os complexos mecanismos dessa ciência (sejamos claros: a ciência não é matéria de consumo fácil…), mas simplesmente na tentativa de perceber o que vai na cabeça de cada um daqueles génios. E o resultado é simplesmente deslumbrante: afinal aqueles tipos são geniais, mas gostam de coisas simples e, sobretudo, conseguem consumir a vida, vivendo-a, e não apenas decifrando-a, como se poderia suspeitar. No fundo, jogam aos dados, e têm imenso gozo nisso!
Para os menos atentos, ou os mais curiosos, aqui ficam alguns dos livros que ao longo dos anos me ajudaram a viver um pouco esse espaço de deslumbramento da ciência (livros de leitura breve, alguns com reduzida exigência de conhecimento prévio):
- O Acaso e a Necessidade, de Jacques Monod e François Jacob
- Diálogos sobre Física Atómica, de W. Heisenberg
- O Relojoeiro Cego e o Gene Egoísta, de Richard Dawkins
- Cosmos, de Carl Sagan
- O Macaco Nú e A Essência da Felicidade, de Desmond Morris
- Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson
… e, já agora, transcrevo um breve trecho da última leitura (um livro mais exigente – ainda não foi desta que compreendi aquela história de Einstein de que alguém pode viver dez anos e o seu amigo em viagem viver apenas cinco ou seis anos…), relativo ao capítulo do ADN, onde se revela esta coisa enigmática do nosso código genético ser fundamentalmente lixo, assim como um bilhete de identidade onde a única coisa verdadeiramente relevante é o insignificante número que o distingue de todos os outros:
 
«[…]
Uma grande parte do nosso ADN é lixo de intrões, já que a natureza, no seu modo elegante e económico mas no fundo esquálido, não se preocupa com deitar fora o lixo que cai em desuso, arrastando-o através de gerações sucessivas. O que é estranho, porque implica que grande parte do precioso recurso que é a energia seja canalizada para a propagação da inutilidade. Talvez o lixo tenha uma função que ainda não identificámos. Talvez seja a forma perfeita de assegurar a propagação da informação através das gerações, sem esta se expor aos perigos que acompanham a actividade patente. O ADN lixo poderá ser informação pura, eterna e não expressa com nenhum outro propósito que não uma existência sem propósito. Este ADN sem propósito é altamente bem sucedido, já que cerca de 98 por cento do ADN que arrastamos é lixo. Apenas 2 por cento é útil, ou seja, codifica proteínas.
[…]»
 
Peter Atkins in O Dedo De Galileu. Gradiva.

publicado por Fernando Delgado às 01:19
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